domingo, 17 de abril de 2011

Meus mares

Nem sempre eles tiveram essa aparência de águas claras e cristalinas...

Houve um tempo em que o mar era turvo e não me dizia nada. Eu sonhava todos os dias a mesma coisa, eu via os dias absolutamente iguais, eu repetia todos os dias os atos de uma cartilha. Eu vivia como num comercial e nadava conforme a música.

Tudo estava perfeito, aos olhos da sociedade. Eu era mais uma naquela caverna que acordava, ia ao trabalho e voltava para casa, e à noite, ao invés de relaxar e dormir, eu pensava como seria o dia seguinte e previa até que roupa iria vestir. 

De acordo com o PIB, um vidão; de acordo com aquela coisa intangível e invisível, um pecado, no sentido original da palavra (“peccus", pés fora do lugar) http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11995; os pés, talvez os braços e corpo inteiro, sabiam, de alguma maneira, que aquele mar não era meu.

Eu não conseguia criar; só conseguia repetir, fazer algo de algo já começado; abrir um arquivo e “salvar como”. O meu trabalho havia se transformado numa série de recorte, cole e adapte.

E os meus óculos viam um mar, que me deixava sempre onde eu não estava. Desafiando as leis da física, eu estava e não estava em dois lugares ao mesmo tempo; e fazia algo ausente. Aquela vida dupla não tinha sustentabilidade; alguma medida seria tomada, fosse pelo pé, fosse pelo mar; era uma questão temporal, de trânsito astralógico, ou maturidade, eu acreditava.

Enquanto todo mundo queria “tudo certo e previsível”, eu queria me perder fora dele; usar um sapato apertado para escapar por um calo, incomodar o cérebro com uma paisagem desorganizada. Ousar e me permitir.

Largar “tudo” seria revolucionário. “Tudo” mudaria de um dia para o outro. Radical e simples. Da noite para o dia, uma heroína, e me imaginava, saltando de um trampolim e caindo feito uma ginasta olímpica numa água azul e cristalina.

O que eu não sabia é que se carrega o mar ainda que se saia dele; aquele mar podia não ser meu, mas a experiência, que estava nele, era. Portanto, logo que saltei, vi um abismo; e fiquei me digladiando em pleno ar, tentando me agarrar à alguma coisa.

“Tudo” é um paradoxo; é o que você quer largar, mas é o que você tem. “Tudo” não me pertencia, mas é a garantia da ilusão de possuir. Se por um lado, foi fácil largar “tudo”, porque já não me pertencia; por outro, saí de “tudo” para o nada é desconcertante.

“O que você é mesmo?”

“Transeunte.”

“Hum? Ah, entendo! Trabalha com metereologia?”

“Às vezes.”

Mas eu não queria o invisível e o intangível? Até ali, eu só queria sair de um status para o outro, sem perder nada. Porém àquela altura, o mergulho era inevitável.

No abismo.

E passei tempos sonhando, perdendo a identidade; e sem conseguir criar algo inteiro, tentando juntar os fragmentos naquele labirinto orgânico.

A nova fase é imperceptível a olho nu, porém me acompanhava desde o pulo insólito, e trouxe um presente sem as instruções de uso: o ócio. Por conta dele, aprendi a fiscalizar a natureza. Um dia, não sei como, compreendi o sei lá o que, e me alinhei com o curso natural das coisas. E hoje ando solta, ouvindo as conversas alheias nos cafés, participando dos protestos, fazendo amigos, transeunte, escrevendo, dentre outras coisas que, aparentemente, não são bem vistas pela sociedade dos “tempos modernos”.

Graças aos céus, a travessia continua sendo diversa da que eu imaginei. Por isso, eu me disciplino a improvisar, a pedir ajuda, a carregar o mínimo possível, e a aceitar que esses mares não têm fim.

4 comentários:

  1. Garota!

    Que profundo! Estou achando que você está no caminho certo!

    Nunca pare de se questionar e sempre faça o melhor, colocando amor até nas menores atitudes.

    Seja feliz (e volte o quanto antes!)
    Beijocas,

    Carol (français)

    ResponderExcluir
  2. Merci, mon amie! Estou repondendo em francês para impressioná-la. Assim, você volta por aqui.Bisous.

    ResponderExcluir
  3. Nossa! Cada vez mais profunda e poetica!!Sem falar da minha identificação, que é imensa..meus pes tb falam, vc sabe né.. agora na gravidez então...griiiitam, esperneiam atraves das caimbras, rsrs
    Serio mesmo, adorei! Vou repassar.

    Bisous! Tu nous manques beaucoup! ;)

    ResponderExcluir