quinta-feira, 7 de julho de 2011

A louca da casa

Esse é o título do livro da escritora espanhola Rosa Montero, que se inspirou na frase de Santa Teresa de Jesus que, por sua vez, se referia à imaginação, como sendo a louca da casa.

Cai entre nós, Santa Teresa de Jesus (in memoriam) e Rosa Montero (escritora renomada e ativa) poderiam chamar a imaginação como quisessem, pois sabiam que “ela” viria de qualquer maneira.

De minha parte, adoraria ter essa intimidade com a senhora imaginação, a quem eu chamo de deusa, musa, ou entidade, e a quem eu jamais vi a olho nu.

Se vi, ela não tem forma; deve ser destilada ou dissimulada e anda livre a inspirar quem ela considere pronto.

Pronto é uma qualificação apropriada, nesse caso, porque não tem definição precisa. Está pronto quer dizer que não está cru, ou não está passado, pode está bom pra uns e pra outros, não; semelhante a dizer que uma fruta está de vez. É agora, pode ser a vez.

Lamento informar.

Aquela entidade não seria a louca daqui de casa.

Por outro lado, escrever, por si só, parece um ato insano e que, sem prescrição específica, traz sanidade.

“Contraditório!”

“Leitora, se você comentou é porque ainda está aí.”

“Confuso.”

“Aguenta só mais um pouquinho; que estou ficando pronta.”

(Santa Teresa de Jesus, se a senhora estiver me ouvindo, ou melhor, lendo, empreste, por obséquio, a sua doidivanas extravagante, antes que a leitora perceba que, às vezes, me sinto uma fraude).

Depois de deixar as compras para um jantar especial em casa, parti em busca da minha pesquisa do dia; a descobrir quem era a louca da casa.

Tudo aconteceu num café que, às vezes, uso de escritório, onde também faço as pesquisas de campo. Todos os frequentadores atípicos estavam presentes, o que me surpreendeu, causando desconfortável frisson.

Não demonstrei sentimentalidades, fiz cara de quem está gostando e comecei a perguntar aos comensais.

“I am new in town and I am doing a survey about imagination. Do you treat your imagination as part of your brain? Or do you consider an entity?”

“I am sorry. I am busy.”

Apesar do fora, continuei a pesquisa. Com o meu trabalho de campo, já me acostumei a levar fora. No início ficava com vergonha, achando que todo mundo estava olhando; hoje em dia, nem ligo.
Próximo!

"O que o senhor acha de tratar a imaginação como uma entidade?" (in English).

Sou do departamento de psicologia da Universidade de Melbourne e, pelo meu entendimento, não é uma boa ideia.

“Really?” (Essa é minha palavra clichê quando não sei que rumo a conversa vai tomar).

“Recentemente, houve um estudo sobre impotência e ficou constatado que tratar o órgão sexual como um ser independente diminui as chances de êxito.” Respondeu o PhD.

(Santa Teresa de Jesus, onde a sua doidivanas nos meteu?!)

“De modo que tratar a imaginação como uma entidade é dar-lhe um poder que é seu...” Ele continuou (e não parava; procurei o botão do pause, em vão).
Mais gente foi chegando e se juntando para ouvir a conversa; o assunto mudou de rumo; passou a ser sexo, depois drogas, e, pra finalizar, rock’n roll; discutiam se o rock havia acabado com a dança e com a música, em geral; diziam que quaisquer três acordes eram capaz de fazer uma música moderna... e blá, blá, blá.

Nesse momento, resolvi me desligar dali; o máximo que eu fazia era dizer “really?!” e continuava no meu devaneio; mergulhei de cabeça no jantar que eu faria mais tarde para o meu amor.

Flores de abobrinha, recheadas com queijo feta e nozes, passadas na farinha de trigo e depois no azeite quente, de entrada. O prato princiapl seria uma massa salpicada com trufas. Sobremesa: fondant au chocolat. Assim que finalizei o cadápio, recebi uma ligação do meu amor e pensei: “que lindo! Transmissão de pensamento”. Qual não foi a minha surpresa? O meu amor ia ter um jantar de trabalho (segundo ele).

(Suspirei discretamente, escondendo um bufar).

Já não podia me concentrar no jantar nem na minha pesquisa, que já havia se transformado numa conferência pra discutir a influência do rock e da sexualidade no mundo e se isso afetava as questões climáticas... Comecei a buscar literalmente uma saída e logo me dei conta de que sair dali não seria fácil, pois eu estava sentada no canto, cercada por todos aqueles supostos curiosos; e a todo momento era referida como a personagem central da pesquisa(?).

Resolvi, então, pedir o terceiro café, o que me causou um certo delírio de cafeína; no meio daquela situação, rezei ininterruptamente não só a Santa Teresa de Jesus, mas também a todos os santos.

Já não sabia se a ravia era por conta do fracasso da pesquisa, ou se era por conta do jantar tão planejado e adiado. Os pensamentos malévolos brotaram e, em segundos, dominaram o ambiente mental; deles se formou uma história lunática de abandono cruel, revelando uma injustiça de falta de amor, com direito a drama de causas e consequências. Tudo em formato aparentemente real, pois o enredo veio acoplado com uma TV de plasma.

Quando o filme ia passar pela segunda vez, ouviu-se um barulho bruto, e num ato estapafúrdio, dando cadeirada com os quadris em quem estivesse na frente, assustando a todos naquela platéia, ela se manifestou:

“Independência ou morte.” Gritou aquela gorila, que mora por aqui, e cujo espírito é capaz de enfrentar a Pomba Gira.

Todos olharam a gorila, como quem olha um bicho em extinção.

E, pela primeira vez, como de um favor do além, aqueles olhares permitiram que a Conga se visse. Surpreendentemente, tudo se acalmou. Rimos. A louca dessa casa é Conga, que ganhou fôlego ao ser contrariada.

(Santa Teresa de Jesus, para o bem da humanidade, é possível trocar de louca? Aguardo vossa resposta).

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