sábado, 23 de abril de 2011

Nosso perfil

“Quem eu sou?” “Quem você é?” Será que conseguiríamos responder a essa questão pra lá de filosófica, sem nos confundirmos com os nossos títulos e documentos? Se disséssemos simplesmente que não sabemos, soaria demasiado honesto, ou nada atraente. Para evitar qualquer mal entendido entre nós e o mundo, ou pouco entusiástico da minha parte, farei como tenho visto por aí; apresentarei aqui os meus títulos, documentos e afinidades.

A começar pela primeira certidão. Nasci no Piauí, no nordeste brasileiro, em setembro de 1973. Esse dado, por si só, contém vários títulos. De acordo com o zodíaco, sou do signo de virgem. Pelo horóscopo chinês, o ano indica que sou o discreto búfalo, e o lugar indica que sou do sertão. Unindo os pontos de vista astrológico do leste e do oeste, posso ser considerada um búfalo virgem do sertão, e parodiando o filme "Um peixe chamado Wanda", apresento um búfalo chamado Sílvia.

Tenho também certificado de bons antecedentes. Devo registrar que sou filha de gente boa e dedicada. Se desandei foi por decisão própria; eles não têm culpa de nada; sempre me permitiram ser livre.

Fiz faculdade, pós-graduação e mestrado. Trabalhei em empresas, escritórios e centro de pesquisa. Se agora você está me dando mais valor, eu compreendo. 

Houve uma época na qual eu também me confundia com os meus diplomas e cargos, e me perguntava até onde aquilo tudo me levaria. 

Certa vez, eu me imaginei na porta do céu, conversando Deus, diante da famosa TV de plasma, assistindo ao resumo do currículo da vida, e me perguntando: será que ele me concederia algum privilégio?

“Mestrado? Huuumm, muito bem, milha filha. Vejo que você também fala idiomas. Pra começar, você pode escolher o seu camisolão; depois explicarei melhor sobre as suas vantagens.” Diria Deus.

Naquele período de confusão do “eu” com os “meus”, eu trabalhava para ter dinheiro e reconhecimento de que eu era competente, a mais abnegada e indispensável, ter um lugar de destaque, que me separasse dos comuns.

“Minha filha”, continuaria Deus, “vejo que você fez de tudo para agradar gregos e troianos. Por isso, você poderá morar naquele castelo celeste mais afastado.”

Sim, é possível dizer que eu queria ser o máximo aos olhos dos outros, achando que isso faria o máximo de mim mesma. Ledo engano.

Aos poucos, observei que o meu vazio vivia cheio por um triz, e se secava, pela mínima mudança das condições normais de temperatura e pressão. De modo que comecei a me identificar com quem dizia que trabalho não é fim, é meio de vida.

Passei a trabalhar para viajar, pagar os meus cursos, e para um dia ficar livre. “Se e quando” passaram a trabalhar diariamente comigo. “Quando eu entrar de férias”, “se sexta-feira for enforcada, vou poder fazer o que quero”.

Tudo estava tranquilamente suportável, porém insustentável, sob o ponto de vista da coerência. E, por ironia ou por coincidência, para onde eu olhava, surgiam pessoas que viviam o presente com a força de cento e vinte cavalos, pessoas que sonhavam, criando projetos, e realizando. 

Dentre esses seres vivos, um moço, que consertava sanfonas relatou: “eu passo o dia inteirinho brincando; olhe, eu fico doidinho quando alguém me traz aquela sanfona toda escangalhada pra consertar”. Ele, sem querer, acertou no meu calcanhar de Aquiles, e isso fez com que eu me suspeitasse ainda mais.

Por conta do “se, do quando, dos cento e vinte cavalos, da conversa com a divindade máxima e daquela sanfona”, minha relação com o trabalho foi, aos poucos, transformando-se numa bomba-relógio.

“Prepare-se, junte dinheiro, faça alguma coisa, porque “quando ou se” essa bomba explodir, espero que sobre alguém pra contar a história”, dizia uma voz ligeiramente familiar.

Tic-tac-tic-tac.

Bum.

Nem tão simples nem tão complexo. Mudei de trabalho, e depois mudei de tudo, ou tudo foi mudando. Acredite. As “coisas” movimentam-se por si só; como uma espécie de caos ambulante. Hoje, de alguma maneira, estou autossustentável, talvez por um triz, mas quem se importa?

O importante é que, por todas as razões do mundo, estamos aqui, concectadas(os) pelos oceanos, mares, bares, cafés, alegrias, tristezas, (in)sanidades, trabalhos, projetos, amores e fantasias. Desse caldo orgânico nasceu o meu blog sertão livre (ou se você preferir, ser tão livre), como laboratório de ensaios, reflexões e intercâmbio de “sanfonas”.

“Senhor Deus”, eu diria, “eu me enganei, não pretendo ter um lugar de destaque nem isolado, desejo me misturar com o mundo pra sentir a unicidade de cada um.”

“Ah, essas mulheres podem realmente mudar o curso da história.” Responderia Deus, orgulhoso.


Ei, você, que está lendo do outro lado, fale a verdade, a gente não se parece?




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2 comentários:

  1. Agora descobri mais uma razão para gostar tantos dos deus textos, somos ambas virginianas mas meu signo chinês é cabra que faz trigono com búfalo e coelho. Há um tempo atrás eu tinhachegado auma conclusão parecida sobre a minha vida mas não tão bem ilustrada como você fez no seu texto. Um abraç o e sucesso!

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    1. Obrigada por comentar. Finalmente enviei o seu presente (ou parte dele), por email. Aguardo os seus comentários.
      Abs.

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