terça-feira, 13 de setembro de 2011

Texto e contexto

Em outros tempos, quando a internet ainda não fazia parte da rotina do mundo, Jenifer and Andrew, um casal de americanos, pousavam no Rio de Janeiro para passar a lua de mel. Eles haviam lido vários guias e aprendido um pouquinho de português, o que facilitou as suas andanças pela cidade maravilhosa.

Durante as caminhadas por copababana, o casal interou-se de um jogo oferecido por senhores sentados em carteiras escolares, nas calçadas do bairro. O parco português de Jenifer foi suficiente para compreender que ela tinha que eleger um animal, para competir no jogo. Por conta do que leu sobre o Brasil, perguntou com um português de gringo:
“Essê ‘diogou’ é ‘legall’?
“É muito legal.” Respondeu o apontador, explicando novamente como funcionava.
Esclarecido esse ponto, ela não titubeou e escolheu:
“Galou” (querendo dizer galo).
O senhor, que ofereceu o jogo, disse-lhe que voltasse no final do dia para saber o resultado.
Andaram de copacabana ao Leblon, para apreciar a beleza local, e ficaram encantados com a liberdade dos jovens no posto nove, dentre os quais ofereceram ao casal um pito; Jenifer aceitou por educação. Pelo pouco que haviam visto, consideraram o Brasil o país mais livre das Américas.
No final do dia, no caminho de volta ao hotel, o casal passou pela calçada de copacabana onde estava o apontador do jogo. Para alegria dos gringos, Jenifer havia ganho uma quantia razoável. No dia seguinte e durante toda semana, essa cena se repetiu. Parecia um sonho.
Aproveitando a renda extra que adquiriram, resolveram conhecer as praias de Búzios, descobertas por Brigitte Bardot. Chegando a uma praia deserta, o casal ignorou, possivelmente por falta de entendimento da língua, uma placa que dizia:
“Proibido entrar com roupa de banho.”
Ao adentrarem à tal praia, foram surpreendidos por um transeunte despido que lhes chamou atenção.
“É proibido entrar com roupa de banho.” Disse o rapaz, indicando a placa e explicando que se tratava de uma praia de nudismo.
Jenifer e o marido estavam encantados com a simpatia do carioca, agradeceram a explicação e cumpriram imediatamente a regra.
Passaram cinco dias lindos nas praias de Búzios; e depois voltaram ao Rio, onde teriam mais dois dias antes de retornarem para os Estados Unidos.
Ao chegarem ao Rio, deixaram as malas no hotel e se dirigiram à praia de copacabana para um mergulho de despedida e compra de algum souvenir. Caminhando de volta ao hotel, Jenifer deu-se conta de que estava sem dinheiro, porém lembrou-se do famoso jogo na calçada. Ao passar pelo senhor, apostou novamente no galo. Em seguida, ela e o marido subiram ao quarto.
No meio da tarde, Jenifer desceu para verificar o resultado do jogo, porém, dessa vez, não teve sorte. Como precisava de dinheiro, aproveitou que já estava na rua e foi ao banco, ao lado do hotel.
Meia hora já havia se passado e ela não havia retornado ao quarto, causando ao marido tremenda preocupação. Ele desceu à rua e foi surpreendido com a presença da polícia na porta do banco.
Pela porta, avistou Jenifer, rodeada por policiais. Não conteve o seu nervosismo, e conseguiu perguntar a um dos curiosos o que havia acontecido; e o curioso respondeu:
“A moça, ao entrar no banco, estava com roupa de praia; o guarda não deixou entrar, mostrando aquela placa pendurada na porta ‘proibido entrar com roupa de banho’; quando a moça ameaçou tirar o biquini, o guarda chamou a polícia, que passava na rua. Segundo a polícia, essa moça, além de atentar contra o pudor, também é suspeita de pitar mato queimado e apostar no jogo do bicho.”
Andrew, atônito e confuso, entrou em contato imediatamente com a embaixada americana, que lhe enviou um advogado para auxiliá-lo no mal entendido.
Na delegacia, tudo foi justificado, e Jenifer foi liberada. A maior dificuldade foi explicar aos gringos que o tal jogo poderia até ser considerado “muito legal”, mas não era “legal”.
Ao retornarem aos Estados Unidos, o casal montou um centro de estudos sobre o texto e o contexo na cultura brasileira; e, pelo que se ouviu falar, estão estudando até hoje...

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

HUMAN RESOURCES BUSINESS PARTNER - AMERICAS REGION

"The British Council is looking to recruit a Human Resources Business Partner to work in partnership with the regional leadership team in the development and delivery of HR strategy and programmes for the region.

All activities need to be underpinned by the values and Human Resources frameworks of the British Council. Ability to support organisation change, global talent initiatives and developing appropriate consistency across the region are key success factors.

This post is being advertised in Brazil, Mexico and Colombia and it is for a local contract. The selected candidate will follow the labour law of the country where he/she is located.

The job description, application form and all other relevant recruitment information are available on our website at http://www.britishcouncil.org/br/brasil-quem-somos-trabalhe-conosco-human-resources-business-partner-americas.htm.

Deadline for applications: 27 September 2011.

If this post is of interest, we encourage you to apply or to forward this invitation to professionals who might be interested."

domingo, 11 de setembro de 2011

Marca de nascença

Diante de um acúmulo razoável de dramas amorosos, reciclagem de namorados, 360 horas de terapia, 592 monólogos, e , para arrebatar, depois de mais um pileque homérico para ajudá-la a fingir normalidade, Joana Dark viu-se sugada por um espiral de vento, que a pôs de cabeça para baixo, sacudindo as suas percepções.


Pendurada daquele modo, conseguiu visualizar o labirinto no qual se metia. Todos os caminhos que ela havia tomado até então a levavam ao mesmo lugar: submissão às piores circunstâncias para saciar o desejo, de aparência atávica, de ser amada.


Talvez fosse tarde para tomar um rumo que a tirasse daquele terrorismo emocional no qual ela havia habituado a sentir um prazer pelo avesso. Talvez ela não saísse viva daquela experiência insólita; quiça aquele momento fosse o seu fim.

No entanto, foi o começo.

Joana acordou daquele estado letárgico, como se tivesse passado por uma lobotomia. Revia cada cena do seu passado com um distanciamento e se repetia:

“Não era eu. Não somos nós.”

Afastou-se de qualquer situação que lhe posicionasse de volta naquele labirinto, apesar do vício habitual.

“Aqui eu não entro mais.”

Ela não deixou de apreciar flores, sedução e romance. Porém, tinha ciência da porta da armadilha e a evitava.

Possivelmente por essa razão, quando em rodas ou mesas de bares, alguém encaixava a mulher em um estereótipo, ela rebatia e de tanto negar ser estereótipo, deixava transparecer a fome de provar que havia mudado. No entanto, os comensais faziam questão de lhe relembrar os exemplos e as estatísticas.

Aos poucos, ela percebeu que não importava o esforço evolutivo que uma mulher fizesse, pois algum exemplo estaria lá para denunciar a todas e classificá-las. A partir daí, ao invés de rebater, optou por negar-se a si mesma e seguir, independentemente de como a viam.

Anos mais tarde, quando a reencontraram, não conseguiam mais enquadrá-la; por isso, queriam saber o que ela havia feito; e ela honestamente respondeu:

"Não procurei mais a felicidade em lugar nenhum."

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Visão além do alcance

Em tempos de incertezas amorosas, Joana seguiu os conselhos de um amiga e marcou um sessão com um astrólogo.
No encontro marcado, antes que o astrólogo começasse a falar, Joana apresentou-se.
“Eu me chamo Joana Dark. O sobrenome é alcunha que ganhei na adolescência, em razão de algumas paixões complexas. E era nesse ponto que eu queria chegar. Eu, enquanto Joana, funciono melhor morta do que viva. Vou explicar.
Morta de apaixonada. Adoro esse estado, porque tudo faz sentido, as cores combinam, os fatos do dia são engraçados, nem parece que existe rotina. É como se eu fosse superiora; e as pessoas se chateassem à toa. Vejo tudo com um cintilante. Você consegue perceber essa nuance no meu mapa?
Claro que viver nesse estado de “morta” tem os altos e baixos; qualquer frustração pode virar um vendaval, um furacão ou até mesmo um sofrimento sem fim, sem volta. Chego, às vezes, a me humilhar para manter um relacionamento; bebo só porque o garoto bebe; isso pra dizer o mínimo; a propósito, não gosto de cerveja. Essa tendência de submissão é visível no meu mapa?

Tenho um discurso e porte de liberal, mas é só fachada, pois cheguei a uma fase que quero me aquietar; já nem falo mais de me sentir morta de paixão; quero um projeto de vida, acertado e estável. Aparece alguém aí? Se você quiser, eu conto tudo o que está acontecendo, para você ter uma ideia.
Por exemplo, tem um cara no meu trabalho que eu sinto que a gente tem a ver. Nós temos o mesmo cargo; a gente fez faculdade e MBA no mesmo ano; ele já me chamou pra almoçar; ele é atraente, eu também. As nossas mães nasceram em Minas, acredita? Você acha que é coincidência, ou algo astral entre nós?”

.”

“Tem certeza? Porque com esse cara do meu trabalho está pintando um clima; ele é todo fofo; deixou de sair com um amigo dele, na quinta-feira passada, para ir à festa do presidente da empresa, comigo, no meu carro. Isso sem falar que emprestei dinheiro pra ele; já há uma intimidade. Acho que vai dar namoro; é só uma questão de dar mole. Sabe quando você sente algo aqui dentro? Disse Joana, fazendo um movimento circular com a mão na região do tórax.”

O astrólogo examinou novamente o mapa e repetiu:

.”

“Tem certeza que não aparece uma pessoa, do trabalho? Porque eu desconfio que esse cara é o homem da minha vida.”
                                          

***


“Joana, como foi a ida ao astrólogo?” Perguntou a amiga que o recomendou.

“Ele não falou nada de interessante; aliás, ele quase não falou.”

“Às vezes, acontece. Alguma novidade?”

“Sabe aquele carinha do trabalho? Ainda não houve nada de concreto, mas a gente já comunga de uma intimidade; eu empresto dinheiro pra ele; até meu carro já emprestei, para ele visitar a avó, em Minas, no feriado. Ninguém resiste uma paixão como a que a gente está sentindo. Por isso, eu sinto que é só uma questão de tempo. Você vai ver.”

terça-feira, 6 de setembro de 2011

O plano

“Elaborei um plano infalível para sair com a Charlene. Ela estuda na minha sala e é linda.” Disse Charles à Tita, sua cadela, que balançava o rabo, de tanto entusiasmo.

“Tita, aqui começa o plano.” Dizia Charles, enquanto Tita erguia-se para ver do que se tratava.

“O desenho não é bem uma árvore, nem é tão complexo quanto parece. O início da linha é a largada para execução do plano. A linha que segue pra direita é a primeira tentativa; vou ligar para Charlene. Nessa linha, há duas possibilidades, o que explica as duas ramificações: ela pode estar em casa, ou não.

Se ela estiver, eu sigo nessa mesma ramificação, porém com o um passo à frente. Caso ela não esteja, irei para a ramificação da esquerda, que se bifurca em: deixar uma mensagem, ou ligar mais tarde.

Supondo que ela esteja, vou dizer que sou o Charles que estuda com ela; vou perguntar amenidades ‘oi, tudo bom?’; e ela vai responder; em seguida, vou falar do filme que foi lançado e que pretendo convidá-la para ir comigo. Depois do cinema, não há como prever, então, o galho da árvore para de crescer aqui, podendo render frutos, ou não. Se ela não quiser ir ao cinema, vou propor uma peça de teatro; li que meninas identificam-se com drama teatral, de preferência amoroso.”

“Vou ligar, Tita; enquanto isso, fique quieta e me deseje sorte.”

A cadela parou de abanar o rabo e se sentou, como quem espera o resultado de um exame médico.

“Alô? Eu poderia falar com a Charlene?”

“Só um momentinho.”

“Tita, estamos com sorte.” Sussurrou Charles, enquanto tapava o fone com a mão.

“Alô?”

“Oi, Charlene! É o Charles, que estuda com você; em geral, eu sento na lateral esquerda da sala, lembra?”

“Não.”

“Essa ramificação não consta no sistema. Até mais.”

Para demonstrar apoio, Tita deu uma volta atrás do próprio rabo e se deitou, desolada; enquanto Charles, cabisbaixo, olhava o seu desenho.

Após alguns segundos, ele começou a traçar novas linhas, e caiu absorto num estudo sobre probabilidades, afastando, talvez sem perceber, aquela inconveniência emocional; e Tita, ao observá-lo, não compreendeu mais nada.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O menino e o éden

Minha mãe acha que sou calado, tímido, retraído... e outras palavras que sequer entendo. Por isso, ela me levou para conversar com um doutor.

Eu não conversei; só respondi as perguntas dele. O doutor garantiu à minha mãe que tenho cura, e me propôs um jogo; era pra desenhar o que quisesse.

Desenhei castelos, bosques e um lago onde escondi os meus segredos.

O doutor gostou e se pôs a falar do éden, que segundo ele é o nome culto de paraíso; contou do amor, dos sonhos, de perdas e dores.

Eu não entendi quase nada, porque de dor só conheço aquelas consequentes de quedas de bicicleta; e do amor, só posso dizer que deve ser aquela douçura que sinto quando brinco com o meu avô, ou quando converso com a Mímel, a minha melhor amiga.

A Mímel é uma cobra que vivia escondida no nosso quintal. Ela era tão calada quanto eu, mas nos entendíamos muito bem.

Mímel também era incompreendida; ela disse que onde chegava, antes que fizesse qualquer coisa, queriam matá-la; apoderavam-se de pau e pedra, e, como se estivessem num ringue de luta livre, começavam o apedrejamento. Ela disse que tinha gente que até se regozijava com essa cena; essas pessoas nem imaginam como as cobras são necessárias para que haja a colheita, pois elas comem os ratos que podem devorar uma plantação inteira, da noite para o dia.

Mímel não esperava nada de mim. Quando estávamos juntos, existiamos, sem a expectativa dos adultos. Parecia o éden do doutor.

“Será que matam as cobras por que elas não falam?” Perguntei ao doutor.

Ele disse que as cobras são sábias, desde o primeiro éden.

Eu, que nunca fui de falar muito, contei ao doutor onde a Mímel vivia. Estranhamente, no dia seguinte, ela não estava mais lá; como se nunca tivesse existido.

O doutor acha que eu sonhei tudo aquilo. Para agradar, lhe dei razão.

Depois disso, brotou dentro de mim uma coisa tão ruim que pensei que fosse apodrecer; ardia mais do que a minha pior queda de bicicleta. Pra me distrair, eu me lembro da Mímel, contando as histórias de perseguições que lhe ocorreram e que passaram.

Quando eu crescer, vou explicar a minha mãe que ser calado não é doença, é só um modo de se expressar; e quando eu me reencontrar com a Mímel no éden, ou num ringue de luta livre, vou lhe dizer que nada disso dura tanto.