segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Antídoto sentimental


Estava preparando a lista de livros lidos no decorrer de 2012 e me dei conta de que durante os seis primeiros meses, só li livros de autoajuda. Sei que há uma quantidade de gente, que executa qualquer um do rol de amizades quando o escuta dizendo que leu um livro dessa natureza. Portanto, para manter a amizade de todos bem como o respeito recíproco (meu Gregório não suportaria saber que alguém nos considera inferior), resolvemos fazer aquelas reflexões anuais, que angariam simpatia e provocam sentimentalidades.

Se alguém tiver a curiosidade de saber por que li os livros de autoajuda, a resposta é simples: eu não queria analisar o que eu sentia, e, em seguida, obter a uma justificativa; todas as minhas tentativas foram de interromper o ciclo alternativo entre o erro e o sofrimento. 

Não me incomodo de cometer os erros mais de uma vez, porém o “tudo como premeditado” é exasperante.

“Não disse? Eu tinha certeza; isso sempre acontece comigo.”

E o restante das lamúrias, algumas pessoas até se identificam.

“Por que agi dessa maneira? Por que não fiz isso?”

"Por quê?" (Como se alguém tivesse perguntado).

Porque suspeito que se houve repetição de algo, houve um prazer; e ter prazer no sofrimento inconscientemente é suportável, pois “não estou sabendo” justifica tal sensação. No entanto, provocá-lo, sabendo que o resultado não é o que se quer realmente, e fazê-lo porque não resiste, só pode ser porque, de algum modo, o produto final agrada.

Se houvesse continuidade, o diálogo passaria a ser incongruente.

“Quais são os seus hobbies?”

“Gosto de ler, dançar, viajar, escrever... ah e também sofrer?”

“É mesmo? E é bom?”

“Não.” 

“Não? E por que o pratica?”

A partir daí, o interlocutor deixaria de lado essa conversa sem pé nem cabeça; ou talvez se percebesse repetindo comportamentos nocivos a si e à humanidade. 

A propósito, qual seria o ganho de se observar praticando autoenvenenamento? Não sei, porque o saber por si só não garante o passo à frente (sou prova viva). Porém, suspeito que a interrupção de tal ciclo seja uma espécie de antídoto.  



terça-feira, 13 de novembro de 2012

Se fosse possível resumir em onze...


“Achei tão mórbida essa história de festa antes de morrer. Você vai?”

“Tenho que ir; uma amiga de vida inteira não se abandona na hora do desembarque. Além disso, imagina se há alguma revelação estarrecedora?! Tudo bem que a essa altura nada mais importa; aos noventa anos ninguém fica mal falada.”

“O que ela fazia mesmo quando era mais jovem? Quero dizer bem mais jovem.” 

“Essa é uma pergunta que nem ela responde claramente; fazia vários trabalhos, serviços aleatórios, mas ela já trabalhou de executiva.” 

“Chegou a trabalhar de verdade? Isso deve ter sido há muito tempo. Sei que ela dançava tango; se contabilizassem os quilômetros rodados nas milongas, seriam equivalentes à volta ao mundo a pé. Ela queria convencer o mundo que dançar tango era como meditar.” 

“Eu me lembro; ela recomendava a dança pra quem mencionasse qualquer desajuste, fosse familiar, sexual, amoroso etc.” 

“E respirar? Lembra? Ela insistia em dizer que se a gente observasse a respiração dez vezes por dia, curava qualquer mal da cabeça. Devo confessar que usei esse método em algumas situações de emergência.” 

“E funcionou?”

“Não sei se funcionou, pois eu logo esquecia o porquê de estar fazendo aquilo.” 

“Estou curiosa pra saber o que ela vai dizer no leito. Será que vai contar todas aquelas histórias de viagens novamente?” 

“É fato que ela passou a vida viajando, mas ela não marcaria uma encontro na casa dela, no leito de morte, só pra contar vantagem.” 

“Será que ela finalmente conseguiu publicar algum livro?” 

“Passou a vida escrevendo também... e não publicou nada; só na internet onde qualquer um tem direito de fazer. Pode ser que ela consiga depois de morta; os leitores adoram escritores mortos; eles parecem mais perfeitos.” 

“Ouvi dizer que ela convidou todos os amigos; os que ainda estão vivos, claro; ela sempre gostou de casa cheia. A ultima vez que eu estive na casa dela, cheguei para o almoço e fiquei até o jantar; e foi um entra e sai de gente que mais parecia festa em turno.” 

“E eu ouvi dizer que só serão servidos água e frutas.” 

“É?! Será que ela vai usar esse momento delicado pra obrigar a gente a beber água? Como ela gosta de beber água!” 

“Haja paciência. Nunca falei nada porque sou amiga dela; ela tem umas manias e quer que a gente adote.” 

“Nossa, nem fala. Outra mania dela era fazer curso; fazia curso de quase tudo; aprendeu até a tocar piano.” 

“É fato; ela gostava de aprender fosse o que fosse, mas o sonho dela era aprender alemão, que segundo ela era um mistério, como aprender a ler mão.” 

“Se você fosse eleger o que ela mais gostava, o que você diria?” 

“Difícil dizer!” 

“Só um chute.” 

“Ela aproveitou a vida de um modo tão inconsequente que não saberia especificar.” 

“Por falar em aproveitar a vida, ela casou?” 

“Até nisso teve sorte! Da outra vez que ela festejou o leito de morte, melhor dizendo, da outra vez que passou mal e achou que ia partir, no discurso do encontro, ela disse em alto e bom som: “eu amei”, referindo-se não só aos amigos e familiares mas, em especial, ao companheiro de vida.”

“Não fui convidada a esse evento. Quando foi?”

“Há seis meses, num sítio, ou melhor, no meio do mato; ela fez todo mundo tirar os sapatos; por sorte, o dia estava lindo e a grama bem cortada.” 

“Foi triste esse encontro de pré-partida?” 

“Foi hilário. Ela espalhou piadas ao redor do lugar, e a cada passo que se dava, era possível compartilhar uma gargalhada.”

“Ela continua com essa mania de adorar rir?” 

“E quem vai mudar agora aos noventa?” 


***

Esse texto foi feito para enumerar onze coisas que eu adoro, e, porque a blogueira do comentários e ninharias indicou o sertão livre para participar do Prêmio Liebster (destinado a blogs com menos de 200 seguidores). Obrigada Mallu! 

Para continuar a roda da fortuna, eu indico os blogs borboleta amando e sem papas na língua. E se algum blogueiro amigo/desconhecido quiser participar, por favor, não hesite, entre em contato que terei o maior prazer em indicar!




segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A missão do constrangimento

Eu jamais viveria isolada numa ilha.

Talvez eu me alimente de gente tanto quanto o Drácula, só que utilizo métodos mais sutis de absorção.

Tenho necessidade do verbo das pessoas.

Por isso, não interagir seria uma tormenta. Porém para se integrar e obter a adorável autoconfiança no que se diz, é necessário cometer erros. 

O silêncio do sertão deve-se à minha pouca capacidade de entendimento e ao meu medo de errar. Como se a cada erro, acendesse um letreiro na minha testa expondo-me ao julgamento e me conduzindo ao cadafalso; e uma voz rouca repetisse: "se ela errou, deve morrer".

"Seria morrer parecido com errar? Se for, morrer deve ser mesmo desconcertante." E chegando ao outro lado, alguém, de maneira abrupta, indaga: "você morreu?" E cai numa gargalhada; depois complementa: "fique tranquilo; acontece com todo mundo". E você ali, morto, humilde, pergunta: "é por aqui?"; e o outro, ainda rindo e pra debochar do recém morto, responde: "continue sem olhar pra trás".

Errar é fundamental, as pessoas dizem. Eu concordo. Mas passar vergonha é constrangedor. 

"Alguém discorda?"

O meu analfabetismo em alemão conduz-me por essa estrada cinzenta: para aprender tem que errar e, vez por outra, ser objeto de olhares (imaginários) e risadas (reais). A propósito, já tenho um par de anedotas que decidi compartilhar. 

Eu estava numa milonga, dançando tango; justo durante os poucos segundos entre uma música e outra, o cavalheiro interveio, dizendo algo assim:

“Ichulrichunddu?”

Eu, sem compreender, do que se tratava, respondi, fingindo autoconfiança: “ich, nicht! Eu, não. Na dúvida, era melhor dizer não ao cavalheiro.

A música seguinte não começava. Por isso, ele insistia ininterruptamente: 

“ichulrichunddu?” “ichulrichunddu?” “ichulrichunddu?” “ichulrichunddu?”

Finalmente, a música recomeçou e a tormenta de não compreender cedeu espaço à dança. O tango me salvou até a próxima pausa.

“Ichulrich,  und duuuuu?” 

E como se um santo alemão tivesse baixado tamanha a insistência do protagonista, a minha língua cuspiu: ich heisse Silvia.

“Ah so! Wie meine Tochter.” (Igual ao nome da minha filha).

Dali por diante, o diálogo seguiu como eu imaginava: de onde você vem, o que faz etc. Não houve tempo pra responder o que eu faço, para minha sorte, porque o nível do meu alemão, nem com a ajuda do santo, seria suficiente pra explicar os trabalhos paralelos que eu faço. 

Ufa! Dançamos. Viva o tango como meio de comunicação. 

Um parêntese aqui: dançar com alemão, comparavelmente, é como dirigir uma merdedes, pode-se atingir uma alta velocidade com segurança, os movimentos fluem de acordo com a capacidade do motor, combinado com a batida da música; os giros e os oitos saem meticulosamente calculados, como se fosse possível prever o imprevisível. Entretanto, como dançar não é preciso, tudo segue surpreendendo. 

A vergonha linguística de não compreender um diálogo básico "ich heisse Ulrich, und du?" foi devidamente compensada. Tudo vale a pena, nós sabemos... no final.

Vamos ao outro passo em falso no idioma do senhor Goethe. 

Eu só queria comprar um piano. Cheguei à loja de instrumentos musicais e perguntei os preços e se eu poderia comprar “em parcelas”. Uma gargalhada brotou de toda a loja, incluindo vendedores e clientes.

Como? Eu havia olhado essa palavra cuidadosamente no dicionário, e para conferir, inseri no google translate. Ensaiei o diálogo. O que havia de errado?

Pois bem. 

Ao invés de dizer que queira pagar em parcelas: Raten (sendo a primeira sílaba forte), eu pronunciei a palavra enfatizando a segunda sílaba, portanto, eu disse que queria pagar em ratos (Ratten).

A cada constrangimento, um novo rol de palavras e de histórias. O constrangimento é vexatório, mas a sua missão é hilariante.

Viva o que nos incomoda! Porque, às vezes, é nesse ambiente sombrio que aprendemos uma boa lição.   

domingo, 4 de novembro de 2012

Bolsas de estudos Chevening no Reino Unido


"Brasileiros em busca de uma oportunidade para aperfeiçoar suas habilidades de liderança em uma rede global agora têm a oportunidade única de se candidatarem às Bolsas de Estudo Chevening de pós-graduação no Reino Unido.
O Programa de Bolsas de Estudo Chevening 2013/2014 irá financiar 700 estudantes, incluindo cerca de 30 brasileiros, para que comecem seus cursos no Reino Unido no outono de 2013. As candidaturas ficarão abertas de 29 de outubro a 20 de dezembro de 2012, para mestrados com duração de um ano, em qualquer universidade britânica, nas seguintes áreas:
·         Mudanças Climáticas, Sustentabilidade e Energia
·         Negócios, Finanças, Economia e Administração Pública
·         Relações Internacionais (incluindo cursos de Direitos Humanos, Desenvolvimento, Conflitos e Segurança)
·         Jornalismo e Comunicação
·         Administração Esportiva e Legado de Grandes Eventos Esportivos
·         Ciência, Inovação & TIC
·         Indústrias Criativas
O Programa Chevening tem um novo site (www.chevening.org), que ajuda os interessados a navegar pelo processo de candidatura e a se candidatarem online.
As Bolsas de Estudos Chevening constituem o programa global de bolsas de estudo do governo do Reino Unido, financiado pelo Ministério das Relações Exteriores britânico (FCO) e organizações parceiras. Desde seu início em 1983, o Chevening se transformou em um programa internacional de prestígio. Há mais de 41 mil ex-alunos do Chevening, de 110 países diferentes, que, juntos, formam uma rede global influente e altamente respeitada.
Veja alguns depoimentos de ex-alunos e de bolsistas que começam seus estudos este ano."

Obs.: texto e dados retirados do e-mail que recebi sobre o tema (por isso, inseri as aspas).

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

British Council / Special Edition - Job Opportunity


Director English

"The British Council in Brazil is looking for a qualified and motivated professional to lead on English for Brazil.
The purpose of the job is to identify, pursue and negotiate financial and risk-sharing partnerships with a range of partners (companies, government agencies, other non-governmental organisations and high net worth individuals) to expand the reach and impact of the British Council in Brazil. To build and maintain relationships with sector stakeholders to ensure influence with partners in English nationally and facilitate large-scale partnerships and project development.  

This is a locally-engaged post. Candidates must have the right to work in Brazil. The British Council is not able to support or sponsor work visa applications from non-Brazilians.  


English language qualification equivalent to IELTS 8 or higher is essential. Candidates must also have the ability to operate in Portuguese (both written and spoken) at a business level. Non-native speakers may be required to take a Portuguese language test.  

The role profile containing duties and responsibilities, qualifications and skills necessary for the job and the application form are available on our website at
http://www.britishcouncil.org.br.

Deadline for applications 21/10/2012
 

If this post is of your interest, we encourage you to apply or to pass on the information to professionals who might be interested."

 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Esse blog já tá qualquer coisa, ele já tá pra lá de Marrakesh


A apenas algumas horas da Europa, porém num outro continente, um labirinto de cheiros, texturas, casas, comércios, praças, restaurantes, casas de banho, museus, motos, bicicletas, carroças e inúmeros transeuntes de falas ininteligíveis compõem o cenário ébrio da medina de Marrakesh. 

Mendina, na língua árabe, significa cidade, e, é onde acontece de tudo: contação de história árabe (não entendi nada mas achei lindo), venda de comida, e de artefatos variados; e em todo canto o estrangeiro escuta línguas confusas; a medina poderia ser uma versão horizontal da torre de babel.  

O transeunte, por melhor senso de orientação que tenha, está predestinado a se perder. Se não o fizer, é como se não tivesse compreendido algo. 

Nos souks, como são conhecidos os mercados, qualquer idioma soa coerente aos comerciantes.

"Combien ça coût? How much? Quanto custa?" 

"Good price." 

"Ok. How much?"

"Cheap." 

E convidam para entrar. A negociação faz parte da cultura. O preço inicial nunca é real, talvez nem o último.

"This is not cheap." O turista reluta.

"How much is your price?"

E por aí vai...

Se você for do tipo sério, que gosta de segurança, e prefere as regras ao jogo da barganha, o lugar mais indicado para compras é o mercado artesanal onde os preços são fixos. Lá os vendedores não assediam o consumidor, não tem o burburinho nem os cheiros dos souks (comércios); talvez por isso seja monótono. 


A cada esquina, o cheiro de hortelã dos bules de chá, a exibição de tâmaras, figos, pêssegos, e a fumaça das panelas convidam para uma pausa.  



"Tajine ou couscous?"


"Tajine de legumes ou de galinha?"

"Côtelette ou viande? Carneiro ou carne de vaca?"

Não importa o que vá comer, será delicioso. No Marrocos, é tradicional comer com a mão direita (mais especificamente com três dedos: o fura-bolo, o maior de todos e o cata piolho); os pratos são compartilhados, mas não se pode invadir o espaço do outro (isso era confuso pra mim); a mão esquerda é pra limpeza, por isso, evite cumprimentar as pessoas com a dita mão (ou dar alguma coisa, um pedaço de pão ou um chá) pode soar ofensivo.

Assim como para os católicos, o domingo é dia de folga, a sexta-feira, no Marrocos, é o dia de descanso; vários souks fecham e, em geral, se come couscous marroquino. 

Nem só de mercado e comida é composta a medina. Há também vários museus e sítios históricos para visitar: Badie Palace, Dar Si Said, Ben Youssef Medersa, Bahia Palace, the gardens of the Koutoubia, the Saadian tombs e a Djemaa El Fna, praça princial. Com exceção dos três últimos, os demais merecem uma visita guiada, pois há dados que só um guia local pode fornecer, por mais que se tenha pesquisado na internet.

Embora o Marrocos tenha sido objeto de inúmeras invasões e dominações, o país ainda contém diversas etnias, de caráter original, dentre nômades, árabes, berber; a religião predominante é o islamismo, e há dois idiomas oficiais: o árabe e o berber, porém a língua francesa é largamente falada e ensinada nas escolas. 

A cultura berber foi a que mais me impressionou, pois fui informada que ao serem desafiados em invasões, eles não usavam armas e logo levantavam os braços para provar isso; não temiam. A alcunha berber não é oficial, ficou assim conhecido pelo fato de falarem de modo berberberber... e logo os invasores os chamaram de bárbaros; o nome oficial desse povo é amazigh, que significa livre, como todos deveríamos ser. 

"Como fui parar lá no Marrocos, se estava morando na Alemanha?" 

Maktub.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Certezas e o valor do criminoso

Confesso que sempre acreditei que quem tivesse razão, estaria certo;
que quem fosse bom, não praticaria o mau; quem tivesse certeza, estaria seguro; quem fosse doutor, saberia mais que os outros; que quem fosse apaixonado por uma causa justa, jamais seria seduzido pelo poder; que só existia o que pudesse ser comprovado pela ciência; que a justiça era um remédio genuíno para os culpados...

De verdade, o que encobrem essas certezas? 

O que seria a incólume certeza, senão um disfarce da insegurança? O que seria a razão, senão uma possível incapacidade de ver sob outro ponto de vista? O que seria essa necessidade de comprovação científica, senão o medo do invisível?

Quem não gosta de garantias? Quem não prefere acusar a ser acusado? Quem gosta de ser o fracassado? Se não houvesse um culpado, como nos destacaríamos, ou nos justificaríamos? Talvez seja para garantir, pelo menos a aparência dessas certezas, que os erros e os atos criminosos provoquem intensamente a manifestação pública. 


"Olhem como ele agiu? Que miserável! Tenho certeza que já vem agindo dessa forma há tempos. Inadmissível. Deve ser punido com rigor!" Dizemos em alto e bom som, porque parecemos bons e melhores.

Aquele que cometeu o erro talvez nos legitime como melhores cidadãos, embora não necessariamente sejamos, só tenhamos a vantagem de não ter sido pego odiando em flagrante, desejando o mal, desdenhando alguém, ou torcendo para que tudo acabe, ou pelo simples fatos de nossos crimes não estarem previstos na lei. 

Talvez seja por esses disfarces que o crime nos compense.

           

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Show de Truman, oder?

A quem não se lembra, Show de Truman foi um filme estrelado pelo Jim Carrey, no qual ele vivia numa cidade elaborada, onde tudo era meticulosamente calculado, como num comercial, sendo ele a estrela do show.

Atualmente estou vivendo num lugar onde (quase) tudo parece tão programado e previsível que me sinto numa cidade feita para um filme. Por enquanto, sou figurante.

Bochum/Deutschland.

Se você nunca ouviu falar dessa cidade, fique tranquila, eu também não fazia a mais tenra ideia da sua existência, até o meu namorado me dizer que recebeu uma proposta de trabalho para essas bandas. Olhando para o mapa da Alemanha, ela fica próxima à Düsseldorf

Quando falo que estou morando em Bochum reproduzo quase a mesma sensação que sinto quando digo que sou do Piauí. Sou quase um mascote entre os meus amigos do Rio: "você é a única pessoa que eu conheço do Piauí", ou "nunca conheci ninguém do Piauí", ou ainda "essa é minha amiga "piauense" ao invés de piauiense. Aos poucos, esse dado ao meu respeito tornou-se uma moeda de troca: "traga aquela sua amiga do Piauí que quero apresentar para uns amigos de fora", dizem os conhecidos dos amigos. Não compreendo que tanta graça tem nesse fato, porém sei que ele foi responsável por despertar a curiosidade das pessoas. 

"Eu tenho uma amiga do Piauí." 

"Do Pi-au-í?"

"Também fiz essa cara quando ela me falou que era de lá."

Conseguiu captar um pouco o que provoco quando digo que estou morando em Bochum? 

Não estou falando dos amigos brasileiros... não ainda; estou falando dos amigos alemães, que tão pouco conhecem a região onde estou; isso sem falar na surpresa para as pessoas da cidade. Em algumas ocasiões, sou tratada como uma espécie de evento: "amanhã você vem? Vou avisar a minha esposa", diz o dono de um café. "Domingo farei um almoço, às 16 hs, você será bem-vinda", alguém complementa. Ao que parece, sou um imprevisto; não sei como me tratarão quando eu me tornar um habitué.

Apesar dessa surpreendente hospitalidade, ainda não tenho amigos aqui, não porque o povo alemão seja reservado mas porque o idioma ainda é o maior entrave. Embora eu o tenha estudado por alguns anos, aprender um idioma e não praticá-lo implica desconforto, pois você sabe ler e escrever, mas não sabe se expressar, o que é lastimável.

Nesse momento, o idioma inglês é o meu rival, pois ao começar a falar em alemão, o interlocutor, no intuito de saciar a sua curiosidade e facilitar a comunicação, altera o idioma para língua inglesa. E isso me causa uma frustração.

Mas vai passar. 

Dizem por aí que todo mundo precisa de objetivo na vida... acho que aprender alemão vai me render trabalho por muito tempo. Deveria ser prescrito como anti-depressivo.

"Tudo que o senhor precisa é de um objetivo de longo prazo. Vá aprender alemão."

E o sujeito teria ocupação para a oficina mental. E quando voltasse ao médico, ele contaria como anda ocupado em memorizar o gênero das coisas: o mesa, o cadeira, a nariz, e por aí vai. E o médico poderia dizer que se trata de homeopatia.

Also (que se pronuncia azô) tem função semelhante ao nosso então. Não quer dizer necessariamente que você irá concluir, mas que vai começar a dizer algo. Quando citamos o nome de algum país, logo vem à nossa mente uma saraivada de conclusões sobre as pessoas e o lugar. Pelo menos, isso acontece comigo.

Also (azô), eu sempre achei que, na Alemanha, a salsicha fosse a principal referência alimentar juntamente com a batata. Porém ando me surpreendendo com a diversidade de pães "das Brot" (o pão não tem gênero, é neutro). Aqui há tanta padaria quanto no Rio de Janeiro tem farmácia.

Outro ponto, que me pegou desprevenida, foi a existência de inúmeras placas de informação. Elas não são intuitivas e eu desconfio que estejam coibindo alguma atitude. Por isso, tenho tido a sensação de que estou fazendo algo errado constantemente. Quando me falam algo que eu não entendo, pergunto: ist das verboten? Isso é proibido? Em alemão há várias formas de dizer proibido, assim como em português/brasileiro temos várias formas de dizer malemolência, jogo de cintura, jeitinho etc.

Conversando com um amigo sobre o tema, ele disse: aqui na Alemanha, a gente primeiro acha o culpado, depois resolve o problema. Tive que ter muito jogo de cintura pra explicar que, no Brasil, às vezes, a gente gosta do culpado, ou nós somos os culpados; por isso, a gente resolve primeiro, depois dá um jeito no resto que não ficar resolvido.

"Das ist ganz komisch." (Isso é muito estranho). Ele respondeu. 

Eu concordei... porque ainda não sei discordar, em alemão.

A região onde eu moro chama-se Ruhrgebiet. É uma área que ficou conhecida pelo trabalho nas minas. Mas ainda não descobri o que tem aqui que instiga os meus amigos alemães de outras áreas a perguntarem o que diabos estou fazendo aqui.

"E na vida, a gente sabe alguma coisa? Isso aqui pode parecer, mas não é o Show de Truman." 



sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O baile particular

Quando me pergunto por que passei tanto tempo sem publicar os textos também não me convenço. Revivo cada cenário, analiso, volto ao início, remonto e tendo a crer que não consegui manter a disciplina, elemento chave para quem pretende fazer dessa brincadeira um exercício diário.



Ao comentar com um amigo sobre o assunto, ele carinhosamente me redimiu, elegendo um culpado: o Jaque.



"Já que você não estava fazendo nada, teve que ajudar... a resolver as coisas."



De fato, eu me ocupei de inúmeras tarefas e alguns trabalhos nos últimos meses. No entanto, Jaque não passou de um corajoso bode expiatório. 


Onde estão esses textos? Num caderno, caligrafados em garranchos registrados somente nas alvoradas, para evitar que alguém me oferecesse um a fazer real. 

Quanto ao conteúdo, é aconselhável admitir que mesmo sóbria, decifrá-los pode originar uma nova profissão. 



"A que você se dedica?"



"A decifrar garranchos."



"Trabalho para poucos. Sobra tempo para alguma outra atividade?"



"Resolvo coisas... mas é só uma fase, ou melhor, um bico." 

Fantasias e anedotas à parte... o que me distanciou da disciplina de escritura foi uma enxurrada de pensamentos derrotistas involuntários. Descartes que me perdoe... mas "penso, logo existo" é o bugalho; "penso logo adoeço" estava mais próximo da realidade elaborada naqueles dias de sertão clandestino. 

Após essas supostas férias que tive de mim para me dedicar aos outros, pretendo desenferrujar a munheca; e conto com a sua ajuda. Você poderá ser um dos meus personagens. Imagine: você, um dia herói, ou um business man de sucesso, ou aventureiro, ou organizador de um bingo dançante; e no outro,  um louco, ou um maníaco? 

Por isso, posicione a coluna de forma elegante,  coloque os melhores óculos para visualizar a discreta beleza do dia e a dançar com os nossos fantasmas e personagens, porque fomos convidados ao baile das palavras, que podem  tonar-se árvores, bichos, pessoas dos mais variados guetos, e até o infinito de todas as coisas. 

E a quem interessar possa, o nosso baile será boca livre; e os amigos são bem-vindos também, pois "Escrever é desvendar o mundo." (Simone de Beauvoir) 


segunda-feira, 30 de julho de 2012

THE BRITISH COUNCIL SEEKS PROJECT MANAGERSTHE BRITISH COUNCIL SEEKS PROJECT MANAGERS

Anúncio do site do British Council
 
"The British Council in Brazil is looking to recruit project managers in the areas of Arts and Higher Education." Posts below:
Project Manager Arts
  • 2 posts based in Rio de Janeiro
  • 1 post based in Sao Paulo
Deadline for applications 05/08/2012


Project Manager Higher Education

  • 1 post for São Paulo
Deadline for applications 31/07/2012

All posts are fixed-term positions for 12 (twelve) months, renewable for equal period.


The role profiles, application forms and other relevant recruitment information is available on our website at www.britishcouncil.org.br.

If any of these posts are of your interest, we encourage you to apply or to pass on the information to professionals who might be interested.

terça-feira, 3 de julho de 2012

British Council / Job Opportunities/ July 8th 2012

Anúncio do site do British Council

"We are looking for motivated individuals to join our São Paulo office in the following positions:

Customer Services Assistant 
Salary: R$3.089,00 plus benefits
Click here to know more about this position and how to apply.

Exams Manager
Salary: R$6.061,65 plus benefits
Click here to know more about this position and how to apply."

Good luck! Boa sorte!


segunda-feira, 2 de abril de 2012

O não-mundo

O preço da paixão, do desejo, da escolha, da liberdade, é equivalente ao preço de ser o que se é. 

E costuma ser caro. 

De acordo com o mundo, começamos bem quando seguimos as regras, facilitamos o controle social, compartilhamos o que a sociedade oferece como melhores oportunidades, somos aceitos e integrados. 

Isso nos garante uma identidade. É um preço que se paga para ser parte do todo reverenciado pela sociedade. Somos os fulanos que se deram bem e têm bom senso. 

Não sabemos se por um desejo nosso, ou de todo mundo, começamos a ter as coisas, títulos e documentos, como sinônimos de satisfação. 

De alguma maneira, o grupo ensina os caminhos burocráticos para a obtenção dos objetos e benefícios. 

Afinal, depois de tanta adequação, nós podemos. 

E merecemos o melhor. O preço é alto. Mas todos dizem que compensa. 

Adquirir torna-se um prazer; ou, às vezes, um poder. 


"Veja como sou importante."

Afinal, depois de tanto esforço, merecemos o mais raro. 

O preço é alto. Mas podemos. 

"Só falta mais uma coisa pra eu me estabilizar."

E o ciclo recomeça. E nós podemos bancá-lo. 

E ele forja um sentido. 

Muitas coisas pra fazer. E isso só eu faço.

Podemos. 

Ter. 


Fazer.


Impressionar.

Há quem nos diga que estamos prósperos. Somos reconhecidos cada vez mais. Somos Os fulanos. 

No entanto, não sabemos se por um desejo nosso, ou do conjunto, nada parece bom o suficiente. 

A casa, o amor, o salário, a segurança, a vida... 

Como se houvesse lá no fundo uma vontade de sofrer. Para combater, o grupo oferece serviços diferenciados, que dão segurança e garantem a plenitude. 

Nós podemos. E merecemos o melhor. Conseguiremos mais coisas para nos preocupar. 

E ainda assim há um espaço enorme. Tão imenso que nele caberia o universo, com sobras. 

Um campo fértil. Porém minado de incertezas. Sem regras claras. E que exige muito suor. E, às vezes, lágrimas. 

“Como preenchemos aquela imensidão?” 

“Destrave, esvazie e crie.” 

“Vamos ficar só e sem ar?” 

Todos vão dizer que perdemos e que somos infantis. 

Bem-vindo ao não-mundo.

Não buscaremos grandes coisas, nem seremos aplaudidos. 


E essa ilusão não fará falta.


Estando leve poderemos flutuar, estando no vácuo, poderemos mergulhar. Vamos saborear o que não foi provado nem comprovado. 

Depois há que se deparar com a solidão, a inércia e a imobilidade. 

Vamos enlouquecer, diferente. 

Ciclos, circuitos, repetições, mergulho no mar de vento, porém com olhar de criança. 

Vamos redescobrir os outros mundos. 

Tudo vai ter o mesmo título. 

Ser. 

A paixão, o desejo, a escolha, a liberdade de estar onde se quer é equivalente ao preço de ser o que se é. 

E costuma ser caro. 

E não haverá nenhuma necessidade de aceitação, título, reconhecimento, ou equivalentes, porém uma conexão tênue com o infinito presente de todas as coisas.

Tens coragem?