terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Elas por elas

Durante os primeiros dias seguintes à mudança para a casa nova, ele quase não reconheceu a esposa; não fosse a sua aparência física, ele diria tratar-se de outra mulher. 

A tal esposa comportava-se como se estivesse num labirinto cheio de fantasmas, perseguindo com palavras não só os vivos e os mortos, mas também os carros, a tecnologia e a falta que fazia numa casa grande e em obras. 

O marido desconfiou que a extensão da obra para a maioria dos cômodos da casa havia alterado bastante a rotina do casal. Em contra-ponto, ele se recordava que a própria esposa havia proposto a mudança para nova casa ainda em obra. Por isso, estava convencido de que a obra isoladamente não poderia ter causado essa desconfortável transformação na esposa.

Num momento de conversa íntima, ela admitiu, nas entre linhas, que não estava habitando em si completamente e suspeitava que o motivo era o fato de os seus personagens terem se perdido junto com “a verdadeira”, com os seus cadernos e livros, nas caixas da mudança ainda fechadas. Ela “de verdade” era a única que conseguia acordar de madrugada para escrever e afagar a comunidade mental. E enquanto “a autêntica” não se reunisse com todo o grupo, a bruxa continuaria solta.

Por sorte, o marido a conhecia bem e essas conversas de “múltiplas” não o assustavam nem ensejavam razão para visitas médicas. O marido confessava a si mesmo o fascínio que tinha pela diversidade da sua mulher. Foi num momento desses de solilóquio involuntário que ele se lembrou de um episódio de a macaca, sobre a qual a esposa estava escrevendo, ter se apoderado da personalidade dela, quando os seus cadernos foram levados, por engano, numa troca de malas, no aeroporto. Nos dois dias subsequentes até a chegada dos cadernos, ela, ou melhor, a macaca passava horas caminhando nas áreas verdes próximas disponíveis e comendo bananas. 

Ao perceber a semelhança entre os episódios, naquele dia mesmo, ele decidiu convidá-la para fazer um lanche e conversar sobre como resolver a situação. O convite de saírem para comer foi aceito, mas não o de discutir o assunto, que só os deuses poderiam resolver, num passe de mágica, segundo a mulher.

Antes de saírem de casa, ele observou que ela trazia uma vassoura consigo, e, não houve nada que a demovesse da ideia de transportá-la até o recinto. Ele julgou melhor não discutir, pois ninguém seria impedido de entrar num estabelecimento por conta disso.

Na padaria, enquanto o esposo comprava os pães, a suposta esposa olhava as paredes, sentada a uma mesa do outro lado do ambiente, esperando que o marido voltasse com a merenda. No caminho até a mesa, ele percebeu que a mulher forjava um riso. Não era o seu sorriso natural; era tão forçado, que para fazê-lo, ela puxava com os próprios dedos indicadores os extremos da boca, em direção às orelhas. 

O marido caminhou até a mesa com naturalidade, pois antes um sorriso falso a um verdadeiro mau humor, e, ao chegar à mesa, sentou-se tranquilo. 

De ímpeto e repetidamente, ela elogiava a beleza do mundo, a tecnologia e a ausência dela, e, ao próprio marido verbalizava o pedido de perdão por ter estado fora do eixo. O entusiasmo era tanto, que ele não se conteve mais e comentou:

“Que bom que está melhor. Você tinha dito que o motivo da angustia era a falta dos cadernos e do exercício da escrita na alvorada. Você não achou os cadernos ainda nem voltou a escrever. Posso saber o que houve?”

“Acabei de receber um recado do cosmo.”

“É mesmo?”, perguntou ele sem se surpreender, àquela altura, com uma resposta de cunho esotérico. “E você poderia compartilhar?”, perguntou-lhe.

“Veja com os seus próprios olhos.” Disse a sua cúmplice, apontando com a vassoura a parede da padaria, na qual exibia a seguinte mensagem: “Aja como se o que você cria fizesse uma diferença, porque faz.”

A mulher voltou a escrever na madrugada e, desde então, eu não mais retornei para atormentá-la. 

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A gata triste


Na rua, enquanto caminha, Saturnino chama atenção pela sua aparência física. Cabelos castanhos, rosto comprido, nariz aquilino, estrutura corporal forte e larga. Ele não gosta de falar sobre si mesmo, e, ao ser perguntado sobre qualquer assunto, responde a primeira coisa que lhe venha à cabeça. Parece não se ouvir. Em dias difíceis, ele não teme denunciar o culpado. 

Sexta-feira, ao adentrar à casa do seu irmão, Saturnino exibia um semblante enfadonho e trazia consigo uma caixa contendo uma gatinha. Naturalmente aquele semblante ensejou a pergunta sobre o que havia acontecido, e, Saturnino não titubeou em responder bruscamente que o seu desejo era ter enviado a gata ao veterinário para eutanásia, e,  em seguida, jogá-la num valão qualquer; ele não disse uma palavra sobre o que havia transformado a ternura que tinha pelo animal em aversão, embora tenha garantido que, depois de cinco anos, a gata havia traído a sua confiança, e que não a queria mais. 

Deixou a gatinha na casa do irmão e saiu sem saudá-los carinhosamente. O irmão não se surpreendeu, segurou a gatinha, e, olhando-a nos olhos, segredou: “não se preocupe, segunda-feira ele volta pra te buscar.”

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Bêerreó-bró

É a denominação, no dialeto piauiense, para os meses mais quentes: setembró, outubró, novembró e dezembró.

Durante esses meses, os transeuntes andam frequentemente acompanhados por uma sombrinha. 

Quando os locais deixam, acidentalmente, tal artefato em casa, a disputa por um lugar à  sombra chega a ser hilariante.

Ao entrar no ônibus, o passageiro busca o lado não castigado pelo sol. Ao longo da jornada, isso varia e se houver oportunidade, o usuário não hesita em brincar de dança das cadeiras.

Na espera para atravessar a rua, a sombra do poste também passa a ser concorrida e tem sempre um pedestre à espreita daquele, que deixe o posto.

O Bêerreó-bró é quase inimaginável a quem não o vivenciou. Quem lá viveu, garante que, no Bró, frita-se milho de pipoca com areia quente. 


Tumba

Jazigo. Esse foi o assunto, introduzido pelo marido, ao entrar no carro com a esposa, na saída da garagem de casa em direção à Região dos Lagos. 

“O assunto te incomoda?” Perguntou ele incontinente.

Ao fundo do abismo mental dela, uma criatura de duas cabeças insurgiu-se, anunciando de um lado “quem não morre um dia?”, enquanto o outro contestava “esconjura, esconjura.” Consequentemente, o assunto a incomodou.

A esposa dissimulou naturalidade, pois era aniversário do marido, e, ela não queria impor as suas superstições cientificamente risíveis, como aquela conhecida dentre os adeptos: “não se fala em morte no dia do aniversário.” 

O marido tão pouco acreditaria em argumento anônimo; ele só almejava convencê-la de que comprar um jazigo, enquanto relativamente jovens e lúcidos, seria um bom investimento; informou ainda que, graças à compra pelo seu avô de um jazigo, os respectivos entes queridos tiveram onde cair mortos; afirmou, com segurança, que se podia cavar mais fundo para que coubessem mais parentes, e, concluiu que isso proporcionaria menos trabalho aos familiares.

Fingindo uma compaixão espontânea pelos possíveis membros  remanescentes da família, a esposa concordou com o marido sobre a aquisição do indispensável bem, para que o aniversariante não descortinasse que ela considerava o tópico sinistro. 

“Não é urgente.” Ele retrucou.

“Que bom, porque nos desejo muitos anos de vida!” Disse a esposa, encerrando discretamente o tema.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Convite

Ao entrar neste blog, por favor, jogue fora pelo menos um dos seus problemas, pois queremos você leve e livre dessa angustia. Alargue imediatamente os extremos dos lábios, tentando uni-los às orelhas. O nosso objetivo é proporcionar a esse ambiente uma energia limpa e risonha.

Ah, por favor, plante hoje mesmo os seus desejos, por mais impossíveis que lhe pareçam, pois acreditamos que o mundo é rodeado por criaturas anônimas, que anseiam nos ajudar. 

Acreditamos no pensamento mágico e fazemos todo o esforço necessário para ver beleza todos os dias, por mais que o dia pareça embaçado.

Agora sopre rápido, fazendo fuuuuuuuu! 

Você pode não perceber, mas já está mais leve!



sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Dever de casa

“Escutem a conversa de pessoas desconhecidas e registrem, como se fossem antropólogos.” Sugeriu a professora aos alunos do curso de história pessoal. 

A primeira oportunidade surgiu na casa da aluna, onde ocorria uma reforma e os pedreiros não privavam o ambiente das suas conversas. 

Para atender melhor ao pedido da professora, a aluna aproximou a mesa da cozinha à janela, onde os personagens estavam trabalhando.

No início, só se ouvia o remexer da pá na mistura da massa de cimento, que logo foi interrompido por um dos pedreiros.

“Ei, Café. Psiu. Ei, Café!” Iniciou o mais velho.

“Quié, Viola!” Perguntou o Café.

“Tu num qué mi apresentá uma mulhé nova, não? Tu é novo, tu conhece mulhé nova, ô tu num é di nada?" Insistiu ele.

“Ê, Viola. Num vô é apresentar mulhé é nenhuma, vai tu procurá. Tu qui nun é di nada.”

"Oia, o Café se zangô. É só mi apresentá uma mulhé, rapaz." 

"Tu num já tem é mulhé? Trabaiá, Viola!"

"É, mais ota, ao vês, Café." Insistia Viola.

A ouvinte não saberia descrever como exatamente aconteceu.  Lembra apenas que baixou-lhe diante dos olhos um pano preto, e, quando se deu conta, já estava discursando entre os trabalhadores.

“Vocês são um bando de inocentes de achar que dão volta em mulher. Seu Viola, aqui nessa obra, não entra homem, que desrespeita mulher. Acho bom o senhor tratar a sua esposa muito bem. E tem mais, o senhor me passe aí o telefone dela, que vou lhe dar uns conselhos."

"Ói, Viola, pegô é pra tu." Comentou Café.

“Ôh Dona... dona minina, era só cunvessa de home." Explicou-se Viola.

“Rapaz, Viola, dá é o telefone, que a dona minina tá é braba. Tu nun faz é vê, é?" Disse Café.

A contra-gosto, Viola passou o número do celular da mulher, e a aluna, possuída de um sentimento amazonas, telefonou, identificando-se, sem lhe contar nada, obviamente, sobre o que motivou o interesse repentino; perguntou apenas se lhe faltava algo, se estava tudo bem com ela e que se houvesse qualquer problema, de falta de dinheiro ou de falta de respeito, que ela podia ligar de volta. 

“Eita, dona minina. Eu sô direito. Era só cunvessa besta.” Justificou-se Viola.

“Olhe, o senhor seja bom e carinhoso com a sua esposa. O senhor só tem a ganhar com isso.” Disse a aluna, voltando à cozinha, para registrar o seu fracasso como antropóloga.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Excessos

Talvez eu não saiba dizer exatamente o que provoca em mim uma explosão, porque se realmente soubesse, o evitaria.

Os excessos podem ser provocados por coisas quase invisíveis ou mesmo inventadas. Quando acontecem, é melhor não reagir, tanto melhor esperar a lente de aumento deixar os olhos.

Nesses momentos, qualquer reação, por mais racional que pareça, tem o potencial de desencadear promessas  ou ameaças vãs, lançadas indevidamente aos transeuntes próximos. 

Quando as explosões me ocorrem, eu me aproximo da inconsciência, da brutalidade, da injustiça; é como cair num labirinto. 

É tão insólita a experiência que gera, em mim, empatia pelos que cometem crimes, porque visualizo o meu potencial irascível, sendo domado a duras penas, como se no mundo não houvesse lugar para opositores. 

Talvez o excesso tenha a aparência física da asa da barata. É evidente que a barata, por si só, sem as devidas asas, atinge por completo os seus objetivos; ela é invicta à radiação; apesar de seu tamanho e fragilidade, é capaz de causar horrores; nem o mais bravo dos homens ousaria pisá-la descalço. 

Ao que parece, o excesso tem capacidade de se repetir em ciclos exaustivos, tirando os nossos pés do lugar, ora catapudando-nos ao êxtase, ora nos deixando cair nas profundezas inóspitas do medo.

Evitar excessos é uma luta inglória, seria como rezar para que as baratas nascessem sem asas. 

Por outro lado, acredito ser possível desvendar a sua dinâmica, ao custo de decididos sacrifícios.  Particularmente, transito entre as ondas das explosões, registrando diariamente as narrativas dos livros internos, antes que as lâmpadas das casas sejam acesas, antes que o mundo acorde e me convença de que os próximos extremos sejam reais. 


A arte da obra

Era meio-dia e os pedreiros buscavam as sombras mais próximas para se aconchegarem com as suas bóias trazidas de casa. Estava na hora do almoço naquela obra, que crescia a olho nu, a pedido do entusiasmado dono da nova morada.

O intervalo do almoço era recheado de conversa, que variava desde lembranças remotas até devaneios pessoais. O assunto era introduzido sem que ninguém perguntasse; por outro lado, nada ficava sem resposta. 

- Eu num trocava de rôpa na frente da televisão, porque achava qui podiam me ver - disse um dos pedreiros, ao abrir a marmita, lembrando a sua infância - disse Viola, o pedreiro mais velho e mais fantasioso.

- Agora tu exagerô, Viola! pontuou Café, o pedreiro mais jovem.

- Exagero é o patrão falano inglês cum Bin Lade. Por que ele num ensina português pu Bin Lade - continuou Viola.

- O Bin Lade morreu, Viola - respondeu Café.

- Cê sabe qual é o trabalho do patrão - perguntou Viola curioso.

Hunhum - murmurou Café.

 - É só falano inglês no telefone - insistiu Viola.

 - É - respondeu Café, que emitiu qualquer som, para dar mais fôlego à conversa do Viola, pois viu o dono da casa aproximar-se de onde estavam almoçando.

 - O patrão podia me dar uma moto nova. Era só chamar: venha cá meu fii, vamu comprar uma moto nova - devaneou Viola, sobre novo tema.

Café segurou o riso. Pela delonga da obra, o ambiente era mais familiar que hostil, e o proprietário, que estava ali na espreita, não se conteve:

- Viola, quem tem filho grande é elefante! - disse o proprietário, em tom zombeteiro, porém afetuoso.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Expectativa

Percebendo que a filha, não era vaidosa, como as outras meninas da escola, e, temendo que ela não fosse aceita pelos colegas, a mãe perguntou-lhe, antes de sair às compras:

“Filha, que tipo de roupa você gosta?”

“Roupa velha.”, respondeu a filha, enquanto montava um quebra-cabeça.

A mãe foi shopping mais próximo e, quando voltou, trazia consigo fantasias de princesas, para a sua primogênita. 

No dia seguinte, a filha levou as fantasias para a escola e as vendeu às colegas. Ao tomar conhecimento do ocorrido, a mãe chorou. Naturalmente, a filha lhe perguntou:
“Mãe, por que você está chorando? 

“Porque você não se parece nada comigo!”

domingo, 5 de outubro de 2014

A dama e o vagabundo

Numa pequena cidade onde a nova moradora, de pseudônimo Joana, não conseguia pronunciar uma palavra do idioma falado, ela se via isolada e desprovida da sua ferramenta predileta: a comunicação. Ela queria anunciar a todos o quanto era interessante para uma boa conversa, porém não tinha como.

À parte dos livros e gramáticas que lia, dos vídeos, conversas e diálogos que ouvia no seu smart phone, enquanto andava pela cidade, ou quando sentava-se num café, tentando aprender por osmose, era o silêncio o seu fiel companheiro, durante os primeiros meses da sua chegada. 

Por vezes, sentia o silêncio gelado das igrejas, quando as visitava no horário das missas, no intuito de encontrar uma alma generosa que lhe compartilhasse o "paz de Cristo". 

"Eu existo, alguém falou comigo." Dizia-se ao sair das belas catedrais, lembrando-se das pessoas que são ignoradas nas ruas da maioria das cidades do mundo, inclusive por ela própria.

Quando Joana não estava nos cafés ou nas igrejas, andava pela cidade, feito gente sem rumo, sem propósito e sem parente. Talvez fosse mais preciso dizer que ela vagava nas ruas tanto quanto os bêbados, ambulantes e excêntricos, que conheciam a solidão em carne e osso.

A propósito, os transeuntes ébrios e excêntricos, de tanto a virem, passaram a cumprimentá-la com um meneio de cabeça, ou lhe dirigiam uma palavra de saudação. A solidão os tornavam ainda mais semelhantes.

Sem compreender detalhes do que lhe era dito, porque isso não lhe era o mais importante, mas sim a troca e o possível diálogo, ela devolvia o cumprimento com um sorriso comprimido daquele, que não se mostra nenhum dente, ou com o balançar positivo de cabeça.  Essa troca era uma espécie de exercício  para manutenção da sanidade. 

Certa vez, enquanto sentada num café, deliciando um chá com madeleines, um jovem ébrio, que sempre andava por ali a pedir um dinheiro, ao vir a jovem sentada, tomando o seu chá, não se fez de rogado e lhe pediu gentilmente o dinheiro que lhe faltava para tomar um trago. Era óbvio que ela não lhe financiaria o vício. 

A aparência dele era maltrapilha e encoberta por sujeira. Visivelmente não tomava banho há dias, devia ter levado algumas quedas ou entrado em brigas, pois havia machucado a boca e quebrado um dente. Era quase inconcebível que um jovem aparentemente estudado, de corpo musculoso, olhos amendoados, cabelo angelical, tivesse chegado àquele estado de penúria. 

Ao ouvir "não" como resposta, o jovem bêbado disse que era só um trocado e xingou publicamente a família da jovem, insistindo que ela tinha dinheiro, "pois como poderia pagar o café?", enfatizou o rapaz, ao seguir o seu caminho torto.

Para o desconforto e tristeza de Joana, ela deparou-se frente a frente com o jovem ébrio inúmeras vezes no decorrer dos meses seguintes, e, o episódio de xingamentos repetiu-se sem cerimônia. De longe percebia-se a presença dele, fosse pelo tom agressivo da voz, fosse pelo cheiro ou aparências lastimáveis.

As folhas do outono passaram a cobrir as ruas da cidade, e o inverno ansioso antecipou-se. Pelo menos essas duas estações daquele ano testemunharam os atos antissociais praticados pelo etílico rapaz. Não fosse o rigor desse inverno tê-lo forçado a se abrigar em algum lugar distante, as suas aparições não teriam se tornado relativamente esporádicas; o cenário da cidade chegou a ter dias de aparência  incompleta na visão dos transeuntes, habituados àquele espetáculo de comiseração. Incompletude essa que durou apenas até estréia da seguinte estação.

Os primeiros sinais discretos da primavera já eram comentados pelos moradores, e o sol apesar da sua timidez passou a visitar a cidade com uma frequência surpreendente, segundo a opinião dos moradores otimistas. 

Qualquer reflexo solar imbuía-se do poder de tirar as pessoas de suas casas, convidando-as a sentar nos cafés, praças e bares.

Joana seguia os raios solares, como os demais moradores empolgados. Certa vez, sentou-se na praça para ler um livro no idioma local. O fato de ser um livro infantil e que já tivesse sido lido no seu próprio idioma não retirava por completo o mérito do seu esforço diário de aprender o idioma naqueles meses de uma aparente clausura. Ela já ousava comunicar-se nas ações do cotidiano e compreendia o interlocutor, se o diálogo contivesse frases simples.

Naquele dia, Joana sentiu, pela primeira vez, certa intimidade com o idioma e comemorou internamente a sua conquista, embora estivesse longe de se sentir fluente naquela língua precisa cujos substantivos impunham o respeito de serem escritos com a letra maiúscula. Enquanto lia concentrada, anotando num bloco de notas as palavras que desconhecia, foi interrompida.

"Desculpe interromper." Disse ele.

O rapaz deve ter dito em voz baixa, ou talvez ela não tenha ouvido devido ao grau de concentração da leitura. 

"Oi. Desculpe interromper." Ele insistiu, em tom mais alto.

Dessa vez, ela ouviu, ou fingiu não ter ouvido. Joana chegou a olhar de soslaio o rapaz e constatou que o rosto lhe parecia familiar. Testemunhas da praça disseram que ela estava tensa e que virara duas páginas do livro, em seguida. Era notório que ela não tinha fluência para ler naquela rapidez.

"Oi. Desculpe interromper." Ele repetiu, aproximando a pontinha do dedo indicador ao braço dela. Por uma questão de milímetros, não chegou a lhe tocar.

Ela virou o rosto em direção ao chamado e quase não o reconheceu. Lá estava ele, o jovem etílico, ao lado dela na praça, lavado, penteado, vestido com uma indumentária limpa, digna de um modelo Armani, e, pasmem, sóbrio e com modos educados. Há de se registrar que o canino superior havia caído de vez. Todavia, no conjunto, apresentava-se bem. Não lhe restava qualquer aparência de cachorro sem dono. Se lhe fosse dado um incentivo, poderia tentar a vida como modelo, desde que consertasse definitivamente o vício e o dente.

Joana não sabia o que dizer tão pouco queria demonstrar qualquer sentimento de surpresa. Por isso, conteve-se, como se fosse natural que ele lhe dirigisse a palavra, sem a agressividade corriqueira.

"Sim." Foi tudo que ela respondeu, ao seu pedido de  desculpas pela interrupção.

De forma simples e direta ele lhe fez um pedido, que a deixou estupefata e silente, por alguns segundos.

"Podemos nos encontrar diariamente para conversar, pois eu me sinto muito só?" Perguntou-lhe sereno e doce olhando-a nos olhos.

Seria possível que uma jovem fosse levada pela sedução de seguir em frente, na tentativa de comprovar a capacidade do ser humano de recuperar um ao outro. 


Talvez essa situação fosse aquela isca da vida, que se confundem com uma missão heróica de resgatar uma alma perdida. Joana relembrou-se silenciosamente  dos seus sonhos de se tornar uma heroína. 

Num piscar de olhos, a sua imaginação a conduziu às casas de mulheres onde essas se imbuiram da missão de salvar o outro, proporcionando sentido à própria existência, tentando mudar a jornada do outro. Olhou essas mulheres no espelho e as viu extenuadas, tornando-se vítimas do seu próprio sacrifício.

Coincidentemente, no idioma daquela cidade, não há diferença entre o vocábulo vítima e sacrifício. Por consequência, dizer "eu me sacrifiquei por você" é idêntico a dizer "eu fui vítima por você".

Se Joana tornar-se-ia a heroína da sua própria história, ainda era cedo para confirmar. No entanto, estava claro que ela não estava disposta a se tornar a sua própria vítima. 

“Não vai ser possível”, respondeu-lhe Joana serenamente; e o jovem levantou-se e seguiu na sua jornada. 

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O corpo nosso de cada dia

O corpo tem várias utilidades. Apesar disso, há quem o utilize como mero meio de transporte para a cabeça.

"Penso, logo existo." Repetem, em coro, os devotos do transporte corporal e do senhor Descartes.

Entretanto, quando se dança, não se pode pensar, caso contrário, o erro é inevitável; quando se medita, evita-se o pensamento; ao se fazer um desenho ou escalar uma montanha não é bem-vindo qualquer tido de linguagem, sob pena de interrupção da atividade. Nesse ínterim de perfeita harmonia entre o corpo e o mundo, não pensamos, por isso, não existimos? 

Aos praticantes de atividades desse gênero, a ausência de pensamento é uma dádiva, um alívio, ou uma trégua. 

Aos que levam anos a fio sem qualquer contato com o corpo que habitam, esse ponto de vista é quase esotérico; e somente quando algum incômodo surge, o dono toma conhecimento de que ali tem vida além de pensamentos. 

"Mas nada que um barbitúrico não adie esse locador inoportuno." Algum pragmático pode sugerir.

Consequentemente, a chance de um relacionamento de gentileza entre o corpo e o seu usuário diminui, e o corpo acabará sendo subutilizado como transporte, taxiando quando solicitado.

Há quem sustente que o espírito é superior ao corpo e que deve ter prioridade. Porém que espírito sustenta-se sem o corpo?  

"O corpo fala." Dizem alguns, fazendo alusão aos gestos inconscientes que demonstram que a mente mente. 

Nesse caso, parece que o corpo desmente o que a mente mente, e não que ele se comunicou genuinamente.

Corpo nosso de cada dia despertai a capacidade de interagir antes que os pensamentos tomem forma ou nos deformem. 

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Como aprendi alemão

Quando cheguei à Alemanha, o meu nível de fluência do idioma era A2.2 (ou com boa vontade um B1 precário). Os testes constatavam isso claramente.  Em termos de fluência oral, quando as pessoas falavam na rua ou na loja, eu não entendia nem mesmo os diálogos mais simples. Era constrangedor.

Só o fato de estar na Alemanha não garante que a pessoa aprenda alemão. Conheci vários estrangeiros que não falavam alemão ou que "se viravam nos 30", e, na hora de aprofundar um assunto utilizavam o inglês. Eu queria aprender alemão de verdade! 

Para isso, era importante ter em mente: "como eu aprendo", "quanto tempo estou disposta a doar para o idioma". Na era da internet, é fácil se iludir com um app de idiomas e achar que vai dominar a nova língua em x semanas. 

Não existe mágica para aprender, existe vontade e sacrifícioEu aprendo, lendo e escrevendo, e levo um tempo para associar o conhecimento necessário. Por isso, eu me afastei (e me afasto) da internet sempre que quero aprender algo. Eu leio e escrevo o que aprendi. Eu explico para alguém o que aprendi. Internet, exercícios virtuais, vídeos são ótimos para confirmar a compreensão oral e auditiva do estudante de idiomas, porém, não garantem o aprendizado, pelo menos não o meu.

Pesquisei sobre der, die, das (o que originou o post sobre gênero), e fiz questão de aprender os dativos e acusativos. Usei aquelas musiquinhas do Frère Jacques: aus, bei, mit, nach, von, zu, seit, gegenüber…; escrevi inúmeras frases com dativos e acusativos no caderno. Para isso, escolhi uma gramática para fazer do início ao fim. 

Com relação à declinação dos adjetivos, fiz um resumo que me dava mais segurança tanto na hora de escrever quanto de falar: 


"Der kleine Wagen - ein kleiner Wagen";
"Das alte Motorrad - ein altes Motorrad";
"Die glatte Straße - eine glatte Straße".
"Die Chinesischen Autos - Chinesische Autos".

No acusativo, se começou com en, segue com en até o final. Ex.: ich habe einen kleinen Wagen. No dativo, wir fahren mit dem kleinen Wagen (em, seguido de en). No dativo feminino e plural, o adjetivo ganha o en no final: mit der schönen Frau, mit den schönen Frauen. 


Para garantir a ordem correta das palavras, na formulação da frase, segui (e sigo) fielmente a regra rigorosa, segundo os meus amigos alemães, do TEKAMOLO e do verbo na segunda posição. Tempo, caso, modo, local: gestern habe ich dir das Buch in der Schule gegeben. 


Eu queria estudar no Goethe o ano inteiro, porém, não era economicamente viável, pra mim. Por isso, esperei chegar a um nível mais avançado (B2.2) para fazer dois meses de curso no Goethe e aproveitá-lo, sem recorrer a outro idioma. O investimento valeu a pena; depois dei continuidade com a aula particular, uma vez por semana. A aula particular é útil se o professor, ou estudante, souber direcionar o que aprender. Caso contrário, pode-se limitar o vocabulário ou os assuntos, e se ficar conversando sobre o dia-a-dia. 

Toda oportunidade que eu tinha de puxar conversa no café, ou no trem, eu não me fazia de rogada, pedia informação, pedia para repetir, anotava a palavra ou a frase, explicava que eu estava aprendendo o idioma e que era importante compreender aquela palavra. Levava o meu dever de casa no trem e pedia para o vizinho do banco corrigir. De inúmeras tentativas, eu levei vários foras.

No entanto, também conheci pessoas fascinantes e, durante os dois anos na Alemanha, tinha a minha agenda frequentemente lotada, dentre almoços, cafés e happy hours. Eu só aceitava falar em alemão, nada de conversar em inglês ou espanhol. 

O meu fascínio pelo idioma ajudou bastante, porém nada disso teria peso suficiente, sem uma dose diária de disciplina e exercício. 

Por isso, eu me organizei para estudar todos os dias, meia hora por dia. Pode parecer pouco, entretanto, meia hora por dia, sem internet e sem smart phone, é suficiente para aprender qualquer assunto, desde que tenha continuidade. Tinha sempre na bolsa um livrinho de frases para ler. Se um dia falhasse o estudo, não havia problema, no dia seguinte, eu continuava com a meta da meia hora por dia, houvesse o que houver, e nunca adiava para depois de amanhã nem dizia "recomeço na segunda-feira".


Para me obrigar ao máximo de esforço, decidi escrever o texto "Der Schatz der deutschen Sprache" em alemão (dividido em quatro capítulos, publicado no blog), narrando o meu envolvimento com o idioma, com as palavras, com as pessoas e com a cultura alemã. Até a versão final do texto, escrevi 19 versões do artigo e aprendi mais do que imaginei. Eu pedi para todas as pessoas que eu conheci lerem o texto: vizinhos, amigos de café, amigos próximos, voluntários do Instituto Goethe etc. 

É assim que eu aprendo. E você? Já parou para pensar como você aprende? Quer realmente doar um pouco do seu precioso tempo para aprender o idioma? 



terça-feira, 16 de setembro de 2014

Der Schatz der deutschen Sprache (Teil IV)

(Teil I - Teil II - Teil III
Teil IV
Muss das Lernen einfach sein?

Bergsteiger klettern auf den Mount Everest, weil es schwer ist. Wenn sie den Everest besteigen können, warum kann ich nicht lernen, fließend deutsch zu sprechen? Die Aufgabe der Schüler ist es, die Schwierigkeiten zu genießen, wie die Bergsteiger es tun. Wo fange ich an, um diese Verwandlung zu verwirklichen?

Bevor ich weiter machte, fragte ich mich, ob ich zu alt war, eine Fremdsprache zu lernen? Dazu gibt es einen Mythos, an den ich glaubte, nämlich “dass es für einen Erwachsenen schwerer sei, eine fremde Sprache zu erlernen, als für ein Kind”. Der Philologe Federick Bodmer hat diese weitverbreitete Meinung in seinem Buch “Die Sprachen der Welt” widerlegt:

“Die Erfahrungen und Interessen eines Kindes sind beschränkt, während wir als Erwachsene über einen großen Schatz an Kenntnissen aller Art verfügen. Ob wir uns an etwas Neues später erinnern werden, hängt wesentlich davon ab, ob wir es mit etwas schon Bekanntem in Verbindung bringen, d.h. ob wir eine Assoziation schaffen können.” Das überzeugte mich.

Auf dem Weg des Lernens kann man sich beklagen, weil eine neue Sprache viel Änderungen mitbringt, besonderes die deutsche Sprache: die Artikel, die Deklinationen, die Variationen der Verben und so weiter. Man muss immer aufpassen. Einige Regeln sind unflexibel. Und ich? Bin ich flexibel? Kann ich der Regel nicht folgen? “Ist sie inakzeptabel oder eine Kleinigkeit, die ich nicht akzeptieren kann? Vergiss nie die Geschichte über den Esel von Wieland!”, hörte ich meinen Lehrer im Hintergrund.

Die Grammatik einer Sprache kann für alle Schwierigkeiten des Lebens in dem neuen Land verantwortlich sein, trotzdem ist wahrscheinlich der Wortschatz der Mount Everest einer Sprache. Deswegen ist es notwendig, neben der Grammatik viel Wortschatz zu lernen. 

Ein Jahr nachdem ich meine Liste “Was brauche ich zum Lernen?” geschrieben hatte, genauer gesagt im Herbst 2013, war ich noch einmal ganz allein in einem kleinen Café, und ich fragte mich “wie kann ich viele Wörter lernen? Bücher? Zeitung? Fernsehen?” Während ich darüber nachdachte, wurde ich plötzlich unterbrochen:

“Bist du Emanuela?”

“Nein.”

“Ich heisse Lauke. Ich muss gehen. Kannst du bitte Emanuela sagen, dass Lauke hier war.”

“Ja, wenn sie mich fragt.”

Lauke ging weg und wie in einem Film, in dem ein unglaublicher Zufall passiert, hörte ich fünf Minuten später jemanden fragen:

“Bist du Lauke?”

Nein, aber du bist Emanuela. Lauke war gerade hier und fragte, ob ich Emanuela sei.” 

“Ach so. Ich kenne sie auch nicht. Wie war sie und wohin ging sie?”

“Es ging schnell, sie ist so wie du, sie spricht perfekt Deutsch. Der Unterschied ist, dass sie einen großen Rucksack mit zwei Flaschen Wasser hatte. Sie ging nach links.”

Ich hatte mit zwei Personen gesprochen und sie hatten mich verstanden. Ich war ziemlich begeistert und im Stillen fragte ich mich, ob Emanuela bemerkt hatte, dass ich Konjutiv I benutzte. Emanuela hüstelte und verschwand nach links.

Wie im Film ging die Gechichte weiter. Wie gesagt, war es in einem kleinen Café. Emanuela kam zurück und fragte, ob sie mit mir Kaffee trinken könnte. Als ob wir das ganze Leben auf einander gewartet hätten, sprachen wir über  “freier Wille und Schicksal”, “was denkst du über Frauen, Männer, Kinder?”, “Und Heirat?”, “Ist Liebe ein Trug?”, “Was ist das größte Glück, das du dir vorstellen kannst?”, “Und die größte Katastrophe?”, “Kann das Wetter Leute beeinflussen? Und die Planeten?”, “Wovon träumst du?”. Sie sprach aus dem Bauch heraus. Zum Schluss fragte ich sie, wie mein deutsch sei. “Du verstehst besser als du sprichst. Zuhören zu können ist ein Segen”, sagte sie. Ich nahm es als Kompliment und seitdem sind wir befreundet. Ich habe ihr viel zu verdanken. Es gibt Menschen und Engel, es ist einfach den Unterschied zu erkennen, wenn man einen trifft. 

In meinem Alltag wurde ich nicht so oft mit vielen Fragen über Gott und die Welt konfrontiert. Oft hatte ich das Gefühl, dass, jedes Mal wenn ich vor dem Spiegel stand, er fragte: “Was denkst du eigentlich darüber?”. Ideen und Meinungen müssen deutlich sein, oder man wird mit seiner Dummheit sofort erwischt. Es dauerte lange bis ich eine einzige kunstvolle Meinung äußern konnte. Dabei half die Schule viel.

Meine Erfahrungen im Café schienen wie ein Märchen, allerdings passierte es wirklich. Das Beste ist, dass ich herausfand woher die Wörter kommen. In der ganzen Welt kommen die Wörter, wie die Kinder, aus den Frauen! Natürlich können Männer etwas sagen, obwohl man merkt, dass der Mann wahrscheinlich von einer Frau provoziert wurde, oder? Dabei muss ich hinzufügen, dass ich ein paar deutsche Freunde im Café kennenlernte und wir sprachen über das Leben und Gedichte. Der Tag ist nicht fern, an dem Männer so wie Frauen über Gefühle sprechen werden. 

Eine Sprache allein reicht nicht ganz aus, alle Gefühle zu beschreiben. Als ich jünger war, sagte meine Mutter: “Du hast immer Lust auf das Unbekannte, ich verstehe es nicht”. Ich hatte nie gedacht, dass es ein Gefühl sein könnte. “Ich habe Fernweh”, fing ich an, meiner Mutter am Telefon zu erklären und sie fragte, ob es ansteckend sei, weil sie es jetzt auch fühle. Meine Eltern machten sich Sorgen wegen meines Berufs, da ich in Deutschland nicht als Rechtsanwältin arbeiten konnte. Es war nicht so einfach für sie zu verstehen, dass ich eine neue Arbeit hatte: “Ich sammle Wörter”. Nach einem komischen Schweigen betonte mein Vater: “Man braucht immer einen Traum”. Das Glück war, dass brasilianische Eltern, so wie die Eltern in der ganzen Welt, mit allem zufrieden sind.  

Es war egal, ob ich in der Schule, auf der Straße oder im Zug war. “Was ist dein Lieblingswort?”, fragte ich alle. Seit ich meine Liebe für Wörter mitteile, kommt mehr. Offenbar möchten alle Leuten, dass ich mein Ziel erreiche. Dazu muss ich sagen, dass einige Leute mich los werden wollten und sofort das erste Wort sagten, das ihnen einfiel. Es war nicht bequem, trotzdem sammelte ich deren Wörter.

In der Schule war es gemütlicher als im Zug oder auf der Straße, dort wurden ein paar Leute davon überzeugt, mir Wörter beizubringen. Jede Woche kamen drei besondere Frauen in die Schule, die freiwillig dorthin gingen, um sich mit Ausländern zu unterhalten und eine dieser Frauen brachte mir Wörter bei, die andere Leuten aufgrund eines lustigen Grundes zur Zeitung schickten. 

Staubfänger war eins der ersten Wörter, die sie mir beibrachte. Danach war eine Deko niemals wieder dieselbe. Zusammen sammelten wir 64 Wörter. Ich bin mir sicher, dass ich bis zum Ende dieses Artikels noch viel mehr bekomme. Doppelt gemoppelt wurde mir beigebracht, als ich einem ernsten Lehrer in der Schule eindringlich ein Wort aus der Nase zog. Ein interessantes Wort, das mir gefällt ist Opfer, weil es zwei Bedeutungen hat, welches für Deutsch ungewöhlich ist. Beispielsweise: “Ich habe viel für euch geopfert” und “Ich war das Opfer”. Das bekam ich von meiner Lieblingslehrerin, als wir uns über Verzicht und hingeben unterhielten. Außergewöhnlich brachte eine junge Frau heraus, als ich erzählte, dass ich Wörter sammele und diesen Artikel schreiben möchte. Ich lerne, wenn ich schreibe und ich schreibe, wenn ich lerne, wie ein Endlosrätsel.

Überschwang und Liebesschwüre waren auch in der Sammlung der Wörter. Innerlich wollte ich, dass dieser Artikel überschwänglich wird, allerdings gäbe es das Risiko, dass er nie fertig würde. Die Gründe können ganz verschieden sein.  Die Flüchtigkeit von Gefühlen: An einem Tag ist alles möglich, ich schaffe es. An einem anderen Tag verstehe ich nicht was die Kassiererin im Supermarkt sagt, und ich sehe schwarz. Darum habe ich mir geschworen, Wörter zu sammeln und fleißig zu schreiben. Die Wörter sind eine heimliche Währung, je mehr man nachfragt, desto mehr bekommt man. 

Während ich nach dem Kurs durch die Stadt lief, bot mir ein Verkäufer des Straßenmazagins sein Magazin zum Kauf an. “Das kaufe ich gerne, wenn Sie mir ein Wort sagen, das Ihnen in den Sinn kommt”, schlug ich ihm vor. Zuerst erklärte er, dass Leute ihn nicht sehen. Natürlich dachte ich daran, dass er mir ein Wort wie Vorurteil oder Gleichgültigkeit sagen würde. Andererseits, äußerte er weiter, “gucken mir viele Menschen in die Augen, fragen wie es mir geht und geben mir mehr Geld als der Preis des Magazins. Gemeinschaft ist mein Wort”, antwortete der Magazinverkäufer. Er war nicht nur ein Verkäufer, sondern auch ein Philosoph auf der Straße, ich war verblüfft. Gemeinschaft, Gemeinsamkeit und Lernen gehören zusammen. 

Nicht selten gingen mein Mann und ich in ein indisches Restaurant und trafen  dort zufällig einen Kollegen meines Mannes mit seiner Frau. Nach ein paar Zufällen wurden wir wöchentliche Tischgenossen und ich bekam von dem Kollegen meines Mannes Wörter wie Habseligkeit und tofte; seine Frau war ein Brunnen der Wörter, sie erklärte Butterbrot, beschwingt, die Gattin und der Gatte und andere lustigere Wörter, die ich nicht erwähnen sollte. Gemeinsamkeit bringt Menschen zusammen. Fast jede Woche trafen wir uns und so hatten mein Mann und ich die Gelegenheit, die deutsche Kultur und Geschichten von Einheimischen zu hören. Freunde können ein Synonym für Wörter sein.

Die Zeit ist unerbittlich. Das waren schon die zweiten Eisheiligen, die ich in Deutschland erlebte, genauer gesagt, am Samstag vor Pfingsten 2014 war ich auf dem Markt. Während ich Spargel kaufte, fragte ich die Frau neben mir. “Wie lang kochen Sie Spargel?”. “Alle sagen fünfzehn Minuten... es reicht nicht. Zwanzig Minuten bis zu einer halben Stunde.” Wir sprachen weiter darüber, ob wir ihn schälen lassen sollten, oder dies zu Hause machen würden. Danach verabschiedeten wir uns. 

Kurz nachdem ich den Markt verließ, in der Nahe des Hauptbahnhofes, trafen  wir uns zufällig an der Ampel wieder. Ich hatte ein paar Blumen für mich und für meine Nachbarn dabei. Ein Wort über Nachbarschaft: In Brasilien hatte ich nie daran gedacht, für Nachbarn Blumen zu kaufen. Dafür schäme ich mich. Andereseits, seit ich hier in Deutschland bin, sind die Nachbarn ein Teil der Familie. Wir sehen Fussballspiele (genauer Weltmeisterschaft 2014, aber “Hildegard, sag jetzt bitte nichts”, würden Loriot und ich sagen), essen zusammen und sprechen über alles. Viele Wörter kommen daher und das Wort Nachbarschaft hat eine neue Bedeutung erlangt.

Wie gesagt, ich war an der Ampel nah vom Hauptbahnhof, und überraschend für mich war, dass die Frau mich anguckte, mit dem Kopf schüttelte und laut bedauerte: “Ich habe vergessen, die Blumen zu kaufen”. 

“Möchten Sie welche? Ich habe zwei Sträuße gekauft. Einer ist für meine Nachbarn, Sie können den anderen nehmen.”

“Nein. Und Sie?”

“Doch. Kein Problem.” Ich weiß nicht wie lange ich darauf bestand, aber wir gingen über die Straße direkt zu einem Café. “Mein Vorname ist Brigitte. Woher kommen Sie?,” fragte Brigitte. “Aus Brasilien”, antwortete ich kurz. “Ich habe viel über Brasilien im Fernsehen gesehen”, äußerte sie und fragte mich nach meiner Telefonnummer. Nicht lange danach verabredeten wir uns. Während wir durch die Stadt liefen, fragte ich sie natürlich nach ihrem Lieblingswort.

“Guck mal”, sagte sie und hob eine Münze auf, die auf dem Boden lag. “Glück. Glück ist sehr wichtig”, antwortete sie mit der Weisheit ihres ganzen Lebens und sie gab mir die Münze.      

Im Zug war es ganz anders. Morgens laufen die Menschen wie Ameisen zum Zug und beschäftigen sich mit ihrem Handy, tagsüber sind die Menschen im Allgemeinen müde oder sie möchten ein Nickerchen machen. Es war nicht einfach, ein Wort zu erfragen. Also musste ich eine Einleitung finden, bevor ich nach einem Wort fragte. “Zeichnen Sie mir ein Schaf?” fragte der Kleine Prinz und er überzeugte einen Mann davon. Wenn ein Mensch ein Schaf zeichnen konnte, warum konnte er nicht ein Wort sagen? Meine Aufgabe war nicht so anstrengend und überall sind alle ein bisschen neugierig, ermutigte ich mich. 

In öffentlichen Verkehrsmitteln versucht man, unabsichtlich zu lesen, was der  Nachbar liest. Im Zug hatte ich immer meine Hausaufgaben dabei, meistens Texte, die natürlich Fehler hatten. Sobald mein Nachbar einen Fehler bemerkte, wollte er ihn korrigieren. Das war mein Lieblingskunststück, um eine Unterhaltung anzufangen, bevor ich ein Wort verlangte. Danach hörte ich zum ersten Mal anspruchsvoll

Überraschend war es für mich “Erdbeeren” im Zug zu hören. Ich konnte mich nicht zurückhalten. 

“Warum?”

“Ich denke an meinen Sohn, der nicht viel Zeit hat, um mich zu besuchen, und er mag Erdbeerkuchen”, sagte mir eine schöne Frau, die graue lange Haare hatte und schlank war. Ganz spontan erwähnte ihre Zugnachbarin Verwundbarkeit und sie dachte an ihre Beziehung nach einer erlittenen Trennung, gestand sie. Das machte mich mitfühlend. 

In öffentlichen Verkehrsmitteln kann man eine Idee davon bekommen, wie der Tag der Menschen war. Freundlichkeit hörte ich einmal als ich um ein Wort bat und das Gefühl kam gleichzeitig damit. Andere Male als ich im Zug nach einem Wort gefragt hatte, wechselte mein Sitznachbar komischerweise den Platz, als  ob ich nach Gold gefragt hätte, allerdings nahm ich es nicht persönlich und wartete auf den nächsten Sitznachbarn. 

Schritt für Schritt hatte ich verstanden, dass manche Leute, so wie ich, Angst vor Fremden und Neuem haben. Ich weiß nicht genau, wann meine Angst   verschwand und ich Kraft an ihrer Stelle hatte; wahrscheinlich als ich mich und alle anderen als einzigartig erkannte. 

Im Laufe der Zeit sprachen die Leute mit mir darüber und dabei fand ich heraus, dass ein Wort nie allein kommt. Es hat Geschichten, Familie, Probleme, Hoffnung und alles muss raus. Emanuela hatte Recht, einander zuzuhören ist wertvoll.

So wie Hans Castorp im Zauberberg sieben Jahre im Sanatorium blieb, sollte ich wahrscheinlich sieben Jahre deutsch weiter lernen. Ich sehe die Sprache nicht als ein Werk, sondern als einen Weg, auf dem man den Abgrund zwischen Verstand und Mund überwindet. Dieses Mal gebe ich nicht auf. Wie die Dichterin Julia Engelmann im Hörsaal in Bielefeld sagte: “Also lass uns doch Geschichten schreiben, die wir später gern erzählen.”

Wenn Mephistopheles mich fragen würde, wofür ich meine Seele verkaufen würde und mir viele Wörter anbieten würde: “Mach dir über mich keine Sorgen. Die Leute, die ich kennenlernte, können viel mehr”, würde ich antworten. Wenn ich eine Macht hätte, würde ich gern euch, liebe Leser, überzeugen, dass Ihr jung genug seid, um eine Schwierigkeit in eine  Leidenschaft zu verwandeln.


Trotz  der Angst Fehler zu machen und der Ungeduld mit der man neue Wörter und Grammatik übt, ist das, was man herausbekommt, wenn man eine neue Sprache lernt, viel mehr als Wörter und Grammatik: Man sieht die Welt wieder wie ein Kind, findet Mut, um für das Neue empfindlich zu sein. Man lernt, die Situationen nicht persönlich zu nehmen. Die Wörter spielen eine größere Rolle, als wir uns gewöhnlich vorstellen können. Das Lernen braucht nicht einfach zu sein, es muss leidenschaftlich werden.

***