quinta-feira, 9 de junho de 2011

Vazio

Já tive inveja dos alpinistas e mergulhadores de caverna. O compromisso interno de se submeter às alturas ou às profundidades, sustentado somente por paixão, me deixava trôpega só de imaginar e não ter coragem.

“É poder tocar o vazio.” Diziam os alpinistas e mergulhadores.

“Podem traduzir?”

“Não dá pra explicar em palavras. Você tem que experimentar.”

“Isso não é pra mim.”

“Tem alguma coisa que você faria a qualquer custo.”

“Tem não. Tudo tem custo... e costuma ser caro.”

“Certamente existe alguma coisa que a leva às alturas ou às profundezas. Pode ser seu filho, seu trabalho, música... alguma coisa. Lembra?! É esse o sabor.”

Comecei a dançar tango, porque queria descobrir alguma coisa incrível como escalar o Everest ou mergulhar numa cavena à noite, sem medo e por pura vontade.

De fato, o tango abriu uma porta para uma outra dimensão; não é tocar o vazio; é poder tocar todo mundo por inteiro com a pureza de querer nada menos do que flutuar no salão; e como flutuamos. Estamos totalmente lá e nada mais existe. É uma espécie de meditação ambulante; é uma pausa nos pensamentos; o corpo cuida de tudo enquanto a mente dá uma trégua.

Apesar do contentamento, eu queria ter a experiência de tocar o vazio, sem ter que subir o Everest nem mergulhar numa cavena em horário noturno, ou rodar o salão a noite toda, de mão em mão. Haveria de haver outras formas. E há, e houve.

Foi nessa onda de sentir contentamento em existir que comecei a escrever. E quando escrevo encontro o que eu estive buscando a vida inteira nas minhas relações amorosas, nos meus cursos e nos meus empregos e nas minhas viagens. Quando algo me passa e meu humor me envergonha por qualquer motivo, eu me relembro: você escreve; você toca o vazio.

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