sábado, 8 de janeiro de 2011

Coisas de Gringo

Todo sujeito que está fora do seu país de origem é considerado gringo. Aqui o gringo sou eu; e todo gringo que se preze passa vergonha. Comigo não foi diferente. Sabe aquelas histórias que se passam com a gente, mas na hora de contar, a gente fala que aconteceu com uma amiga nossa? Pois é. O que eu vou narrar agora aconteceu com a minha amiga, porém pra facilitar, vou narrar em primeira pessoa; só pra facilitar.

Dentre as modas de Melbourne, está em voga vestir calça legging preta e usar um coque no topo da cabeça. Eu não via a hora de começar a usar o que está na moda “down under” pra me sentir uma autêntica piauí-aussie. Com esse objetivo, liguei pra Maggy, minha amiga australiana.

- Maggy, preciso da sua ajuda. Quero conversar.

- I am all ears!

- Tem que ser pessoalmente. Vamos tomar um café, aqui perto?

- I will be at the Vittoria café in 15 minutes. See you.

Maggy é uma autêntica aussie: moderna, vai ao trabalho de bike, faz protesto, apoia o equal pay, os green jobs, usa calça legging e um coque no topo da cabeça. Logo que nos conhecemos, revelamos a nossa idade. Eu, almost Miss 40, e ela, almost Misses Wolf. A partir daí, sabíamos que não teríamos mais que esconder segredos uma da outra.

No café, eu falei:

- Maggy, há duas coisas que eu tenho muita vontade de fazer: eu quero me sentir mais local, eu quero usar uma calça legging e ...

Antes de continuar com a segunda informação, a Maggy me interrompeu, dizendo que também queria me contar uma coisa que ela tinha muita vontade de fazer, mas não sabia como. Ela disse que tinha vontade de escrever alguma coisa meio pornô atrás da porta do toilet feminino, como uma adolescente, mas não sabia o que. Nesse momento, Maggy deu-se conta de que havia me interrompido. Por isso, desculpou-se:

- I’m sorry. Please, carry on.

Na hora de continuar, eu me dei conta de que não sabia como dizer coque de cabelo em inglês. Então, rapidamente pensei que podia ser um cognato: cock, que significa galo. Pensei: dever ser isso: aquele montinho na cabeça parece um galo; era só falar o final da palavra mais suave. Feito esse raciocínio, traduzi a minha segunda vontade:

- Maggy, I want to use a cock on the top of my head.

A Maggy caiu numa gargalhada daquelas de perder o fôlego. Passados uns 10 minutos, ela me disse que cock significava literalmente galo, porém numa linguagem metafórica equivalia ao órgão masculino.

Então, pra ela, a minha tradução ficou: eu quero usar um pinto no topo da minha cabeça. Quando entendi, eu caí na gargalhada. Passados uns 15 minutos, eu me refiz e disse que era a vez dela de me contar o que imaginava escrever atrás da porta do banheiro feminino.

- I think I should write what you’ve just said about a “cock” and head.

E nós duas caimos na gargalhada. Depois de pararmos de rir e tomarmos o café, fomos a uma loja comprar a minha calça legging. Como eu não quis experimentar, compramos o tamanho g. Minutos depois, resolvi vestir, fiquei mais parecida com a “Dine é um gênio” do que com uma autêntica aussie.

Entretanto, para me animar, Maggy disse: tenho certeza que no dia que você vestir essa calça algo muito engraçado vai acontecer. Palavras de Maggy. Não deu outra. E o evento resultou num novo episódio, que poderá ser chamado de: coisas de uma matuta no estrangeiro.

Coisas de uma matuta no estrangeiro
Após ter comprado a minha calça legging, voltei pra casa, vesti, fiz um coque no topo da cabeça, e fiquei diante do espelho, repetindo o que sugerem os livros de autoajuda: você é muito legal, muito linda, todo mundo te ama etc.

Depois de cinco minutos, o meu namorado chegou. Fiquei muito envergonhada. Ele não entendeu nada.

- Está tudo bem? Perguntou.

- Tá, ué? Não notou nada? Perguntei.

- Notei. Mas prefiro o seu cabelo solto.

- Está com ciúmes, porque eu estou mostrando a nuca. Só pode ser. Eu pensei, sem falar nada (sabe aquelas coisas que a gente pensa e sabe que é melhor não falar, pra não humilhar a pessoa? E virar uma briga? Segui a minha intuição e fiquei quieta).

- O que você quer fazer hoje? Ele me perguntou; (e eu senti que ele estava querendo me impedir de sair, mas eu já estava com a cabeça feita, literalmente).

- Eu tenho que ir à biblioteca, pegar um livro que deixei reservado. Respondi.

- Tem quer ser hoje? Ele insistiu (eu já estava começando a me irritar, mas senti o efeito do meu trabalho de autoajuda e percebi que nada ia me abalar).

- Vou lá e volto, em duas horas. Não posso tirar o livro de lá.

- Duas horas? E você vai assim?

- Vou. Respondi. (Nem me abalei. Aquele exercício de autoajuda no espelho foi revigorante).

Saí de casa, passei pelo porteiro, que nem me reconheceu, porque o cabelo estava todo preso no topo da cabeça; e fui à biblioteca. Lá sentei onde de costume, liguei o meu computador, pluguei o fone de ouvido e coloquei a música love tango do Nasekomix, no último volume. E pela primeira vez achei o volume baixo; queria ouvir mais a música do que meus pensamentos.

Eu estava me achando e me sentindo! Todos me olhavam! Eu fiquei impressionada com o efeito do “cock” no topo da cabeça. Um minuto depois desse frenesi, um rapaz veio em minha direção. Eu me perguntei silenciosamente: “minha nossa, será que ele vem falar comigo”. Pois veio. E ele pediu para eu plugar o fone no lugar certo, pois a biblioteca interia estava ouvindo a minha música, que era muito bonita, mas não era apropriada para ocasião.

Fiquei vermelha de vergonha. Pedi desculpas. E ele disse: no worries, como de costume local. Mas não adiantou, eu não conseguia mais me concentrar. O efeito da autoajuda já havia passado. Arrumei minhas coisas e peguei o bondinho na direção de casa.

Entrei no bondinho lotado, só tinha uma cadeira sobrando: sentei na hora. Depois que sentei, percebi que o rapaz, que sentava ao meu lado, estava muito suado. Em seguida, ele falou:

- Will you marry me?

Eu fiquei atônita e lisonjeada, mas não falei nada compreensível. Only mumbled alguma coisa que nem eu mesma ouvi. Mas ele continuou:

- Please, answer.

Então, não tive saída. Pensei. E disse baixinho e com vergonha daquela situação insólita:

- I can’t, because I love my boyfriend. But I’m flattered.

Nesse momento, percebi que ele estava falando com fone de ouvido do ipod. E ele percebeu que eu estava achando que ele falava comigo. Por isso, ele respondeu:

- I am sorry, lady. I am not talking to you; I am talking on the phone. By the way, you said: you farted, did you? (e tampou o nariz).

Quando eu ia explicar que eu disse flattered (lisonjeada) e não farted (verbo do pum), o bondinho inteiro já estava rindo. Fiquei com uma vergonha. Foi a gota d'água. Desci do bonde e fui o resto do caminho a pé; e deixei o cabelo solto. Quando cheguei e contei para o meu namorado, ele segurou o riso até me convencer de que rir era bom pra passar a vergonha. Estou rindo até agora; ria você também. Foi pra isso que eu escrevi essa história.

With a good laugh,
Minha amiga.

2 comentários:

  1. RU the piau-aussie I am thinking you are? Your stories are cool. We they based on a true experience?

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  2. Honestly, I got a little uncomfortable to answer your question. I've asked myself "whether she/he going to dislike my stories if I say that Coisas de Gringo is not based on a true story". Then I realized that I still have a long way to biuld my confidence as a writer...
    Anyway, I'll take some risks and reveal that it is based on daily life observation and on a parasita of mind which only shuts up when I am writing. I am sorry if I disapointed you.
    I don't know if you know who I am, because I am not very sure who I really am, but I hope that soon I will present my profile.
    Many thanks for ser tão livre to leave a comment.

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