terça-feira, 25 de outubro de 2011

A sombra das investigações

“Um renomado desembargador foi preso.” Noticiaram os principais jornais da cidade.
Ermínio sempre quis ser investigador; segundo a mãe, ele tinha o dom desde menino, quando começou a descobrir as intrigas da vizinhança.
Apesar do seu dom natural, ao ingressar na faculdade de direito, decidiu enveredar para área de concursos, pois logo percebeu que os trabalhos de detetive não eram tão bem remunerados; e ele queria garantir uma vida sem surpresas financeiras. De modo que a vida o fez juiz e, ao longo da carreira, desembargador.
No entanto, a sua paixão por bisbilhotar nunca havia sido abandonada. Ele investigava os colegas, as namoradas, os familiares, e vizinhos. Era, às vezes, visto como persona non grata. Porém ele se justificava, dizendo que o fazia para o bem estar pessoal.
Durante o seu depoimento na delegacia, ele confessou que invadiu o apartamento da vítima, porém que havia feito com as melhores das intenções e que poderia provar.
Solteirão, vida estável, resolveu dedicar-se com afinco ao que lhe trouxe ao mundo. Aposentado, mudou-se para o bairro de Copacabana; não tardou para que Ermínio já estivesse inteirado de toda a vizinhança, devido a ajuda dos porteiros e de uma potente luneta, com uma espécie de câmera; algo tecnologicamente avançado, usado pela Nasa e FBI.
A maioria dos casos girava em torno de brigas de família; uma filha que não falava com a irmã, por discordâncias não superadas desde a adolescência; um pai que não aceitava a escolha dos filhos; um jovem casal que já não vivia bem, mas que não se separava; dois irmãos que brigavam pelos negócios do pai.
O caso que o levou à delegacia foi a investigação da vizinha da frente. Nadir.

Ela tinha aproximadamente 60 anos e havia pedido a separação, depois de 37 anos de casada; os filhos e o marido tinham negócios juntos; nenhum casal havia se divorciado na família; a separação dos bens desestruturaria a empresa e a tradição. Por isso, diante da pressão familiar, ela anulou o pedido e voltou ao labirinto da satisfação social.
O que ninguém da família sabia era que Nadir havia alugado um quitinete em Copacabana. Nessa quitinete, Nadir vestia as suas roupas mais chiques e convidava as moças do meretrício do bairro para tomarem e comerem algo, enquanto lhe contavam as aventuras dos seus dias.
As reuniões da dona Nadir ficaram famosas na vizinhança, que, não tardou em reclamar, a ponto de pedir a saída da inquilina.
Ao se deparar com as reclamações por escrito, parou com as festas e se manteve no seu refúgio, às custas de barbitúricos e roupas elegantes.
Ermínio não aguentava vê-la se degradando; ele pensou em falar com os filhos, porém pelo que havia descoberto, possivelmente, eles a trancariam numa clínica, para poupar o trabalho de cuidar.
O desembargador a vigiava incessantemente; observava que as cenas de choro e as idas à farmácia tornaram-se mais frequentes. Ele percebeu que durante a semana ela não havia ido ao salão, como de costume; ela não esperou as moças passarem para cumprimentá-las; e não vestiu as suas roupas habituais da tarde.
Na segunda-feira seguinte àquela semana, ela trazia, além da bolsa, um pacote que, ao entrar no apartamento, o levou ao banheiro. E, pela primeira vez, fechou a cortina, que para sorte do investigador, era transparente.
Nadir tirou da bolsa algumas coisas, tomou um banho e voltou à sala, sentou-se, ingeriu algo; depois voltou ao banheiro, onde havia deixado o pacote.
A sombra da cortina retratava que ela ora apontava o objeto do pacote, possível pistola, para a própria cabeça, ora a colocava no tampo do vaso, como se estivesse em dúvida do que fazer.
Ao vislumbrar o que estava por vir, o desembargador saiu de sua casa com um pé de cabra e invadiu o apartamento da senhora Nadir, que não fazia nada além de secar o cabelo com o secador.
Completamente errado seu Ermínio não sabia como se explicar e esperava ansiosamente os gritos de desespero da vizinha, que estranamente não vieram, dado o estado de letargia, consequente da quantidade de remédios que Nadir havia ingerido.
Ao verificar a bolsa dela, viu algumas caixas de sedativos e a levou imediatamente ao hospital, onde conseguiram salvá-la de maiores danos.
Ao entrar em contato com o marido e filhos, eles abafaram o caso para que a reputação fosse mantida e acusaram o desembargador de invasão a domicílio, dentre outros crimes elegíveis.
Ao que dizem as línguas lúcidas, em nenhum lugar do mundo, um desembargador fica preso por muito tempo.
Nessa história, não foi diferente.
Em poucas semanas, Ermínio saiu da carceragem especial e começou a sua busca pela vizinha Nadir. Em menos de trinta dias, ele a descobriu internada numa renomada clínica particular, vestida em roupas prosaicas e mais ausente do que nunca.
O marido e os filhos da tal senhora haviam tomado aquela medida por questões de segurança e saúde, pois apesar do desconforto emocional, os negócios iam bem.
Para saciar a sua curiosidade e saber, em detalhes, como estava a sua antiga vizinha, Ermínio internou-se. Não foi difícil ingressar como paciente; apenas mostrou as suas credenciais: dois cartões de crédito e a sua conta bancária robusta; e logo encontraram um distúrbio.
Na bagagem, além das suas roupas, ele havia trazido vestidos de gala, para dona Nadir.
E naquela clínica, ele viveu os melhores dos seus dias à sombra do amor.

domingo, 16 de outubro de 2011

O traidor fiel

Estávamos todos sentados à mesa; a degustação da comida não era o que nos reunia naquela noite, mas o que cabia a cada um de nós, sem escolha. Inconscientemente, quem relatasse a história primeiro, o faria como lhe conviesse.

Antes do jantar, o meu melhor amigo, líder da reunião, me pediu que fizesse algo por ele e mantivesse segredo, embora isso fosse parecer, aos olhos dos outros, uma traição. Pela nossa amizade não questionei; ele me garantiu que depois esclareceria tudo aos demais.

Durante o jantar, agimos como combinado; cada um recebeu a sua tarefa; a minha era de fato a mais deplorável. Talvez por isso, os demais me olharam com desdém.

Não me abalei.

Na hora programada, simulei a traição exatamente como me foi solicitada; e meu amigo foi conduzido, pelas autoridades locais, aos ponta-pés para cumprir a outra parte do seu plano.

Todos os outros pareciam ter esquecido a vontade dele e começaram a me ver como um real inimigo, me odiando e me julgando.

Segui, escondendo a angustia de que a verdade nunca fosse revelada e aguardando desesperadamente a sua volta e esclarecimento do plano.

Não imaginei que os demais se voltariam contra mim; apoiado por outros presentes, me cercaram e me torturaram com xingamentos e culpa pelo sofrimento causado.

Mantive o segredo de que ele voltaria.

Os ideais discutidos no jantar haviam sido abandonados e a minha aparente serenidade os provocava; cada um deles repetia incessantemente que eu era responsável por todo aquele horror.

Diante de tamanho convencimento e certeza de todos ali, supeitei que isso também fazia parte do plano e não resisti.

Eles chegaram mais perto, me cuspiram, me acusaram, e, finalmente, me condenaram, enrolando uma corda no meu pescoço e me empurrando.

Quando o nosso amigo voltou ileso, eles pensaram se tratar de uma alucinação; e quando ele perguntou por Judas, todos lhe contaram a versão que lhes foi favorável.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Post em construção

Não sei se peço desculpas pela demora em atualizar o blog, ou se saio inventando algo genial para impressioná-lo(a), de modo que você mesmo(a) justifique essa delonga.

"Foi por isso! Olha que post interessante."

Não! Nenhuma coisa nem a outra, por razões óbvias. Não sou genial nem você é tolo(a).

A verdade é simples: eu aceito que não controlo os meus dias e afazeres. Surge uma viagem, eu vou, surge um trabalho, eu pego; e assim acontecem os lapsos postais.

Recomeço hoje, sem garantia alguma, como sempre.

Para quem esteve por aqui, obrigada por comparecer; para quem está chegando, seja bem-vindo(a); para quem desistiu, por favor, volte, quando estiver sem expectativa.