segunda-feira, 2 de abril de 2012

O não-mundo

O preço da paixão, do desejo, da escolha, da liberdade, é equivalente ao preço de ser o que se é. 

E costuma ser caro. 

De acordo com o mundo, começamos bem quando seguimos as regras, facilitamos o controle social, compartilhamos o que a sociedade oferece como melhores oportunidades, somos aceitos e integrados. 

Isso nos garante uma identidade. É um preço que se paga para ser parte do todo reverenciado pela sociedade. Somos os fulanos que se deram bem e têm bom senso. 

Não sabemos se por um desejo nosso, ou de todo mundo, começamos a ter as coisas, títulos e documentos, como sinônimos de satisfação. 

De alguma maneira, o grupo ensina os caminhos burocráticos para a obtenção dos objetos e benefícios. 

Afinal, depois de tanta adequação, nós podemos. 

E merecemos o melhor. O preço é alto. Mas todos dizem que compensa. 

Adquirir torna-se um prazer; ou, às vezes, um poder. 


"Veja como sou importante."

Afinal, depois de tanto esforço, merecemos o mais raro. 

O preço é alto. Mas podemos. 

"Só falta mais uma coisa pra eu me estabilizar."

E o ciclo recomeça. E nós podemos bancá-lo. 

E ele forja um sentido. 

Muitas coisas pra fazer. E isso só eu faço.

Podemos. 

Ter. 


Fazer.


Impressionar.

Há quem nos diga que estamos prósperos. Somos reconhecidos cada vez mais. Somos Os fulanos. 

No entanto, não sabemos se por um desejo nosso, ou do conjunto, nada parece bom o suficiente. 

A casa, o amor, o salário, a segurança, a vida... 

Como se houvesse lá no fundo uma vontade de sofrer. Para combater, o grupo oferece serviços diferenciados, que dão segurança e garantem a plenitude. 

Nós podemos. E merecemos o melhor. Conseguiremos mais coisas para nos preocupar. 

E ainda assim há um espaço enorme. Tão imenso que nele caberia o universo, com sobras. 

Um campo fértil. Porém minado de incertezas. Sem regras claras. E que exige muito suor. E, às vezes, lágrimas. 

“Como preenchemos aquela imensidão?” 

“Destrave, esvazie e crie.” 

“Vamos ficar só e sem ar?” 

Todos vão dizer que perdemos e que somos infantis. 

Bem-vindo ao não-mundo.

Não buscaremos grandes coisas, nem seremos aplaudidos. 


E essa ilusão não fará falta.


Estando leve poderemos flutuar, estando no vácuo, poderemos mergulhar. Vamos saborear o que não foi provado nem comprovado. 

Depois há que se deparar com a solidão, a inércia e a imobilidade. 

Vamos enlouquecer, diferente. 

Ciclos, circuitos, repetições, mergulho no mar de vento, porém com olhar de criança. 

Vamos redescobrir os outros mundos. 

Tudo vai ter o mesmo título. 

Ser. 

A paixão, o desejo, a escolha, a liberdade de estar onde se quer é equivalente ao preço de ser o que se é. 

E costuma ser caro. 

E não haverá nenhuma necessidade de aceitação, título, reconhecimento, ou equivalentes, porém uma conexão tênue com o infinito presente de todas as coisas.

Tens coragem?