Após alguns dias de trabalho racional, com prazo e objeto definido, volto ao campo movediço e pantanoso de escrever. É como naquele lapso temporal sem exercício no qual a carne fica molinha... Assim é a imaginação, ao invés de pisar e flutuar, afundamos quando não se pratica; e caídos, no lodo, fingimos ver peixinhos como se estivéssemos no fundo do mar, numa tentativa de reanimá-la, a qualquer custo.
Nessas voltas ao labirinto das invenções, me proponho a escrever algo melhor do que já escrevi, como se fosse o caminho natural evolutivo.
“Enfim, com esse novo texto, chegarei à ribalta.”
No momento dessa proposta, estou inconsciente, não sinto nem sou, e redijo um texto, exibindo opiniões, que me exponham culta e distante do depreciativo senso comum. Obviamente, o resultado sai sem pé nem cabeça e insosso. Ainda cega, envio o arquivo para a minha amiga-editora (ela não sabe, mas é), e penso:
“Desse texto ela não se recupera; vai ficar sem fôlego.”
Ela, gentilmente, lê tudo e comenta cada parágrafo. Fico pasma como ela ainda não é editora profissional. Pra deixar a minha autoestima confortável, ela diz:
“O meu trabalho de criticar é mais fácil do que o seu. Não se chateie com os meus comments.”
Ela escreve comments, porque soa mais suave; é como falar um palavrão em outro idioma pra soar menos bruto.
Leio e me dou conta de que estou caída no lodo e não tem um peixinho sequer pra continuar a história. Cada comentário me denuncia e aponta o fotoshop utilizado para me exibir douta e criativa. Diante do computador, finjo que já sabia de tudo, depois vou ao banheiro e diante do espelho me provoco:
“Estou chateada consigo. Como você se faz passar por um PhD, usando um mísero fotoshop?”
Não há resposta, mas a cara fica vermelha. E me dou conta de que é o meu Gregório, demandando atenção. Ao nos reconhecermos, ele começa a implicância.
“Não dá pra viver sem glamour, sem polêmica, sem público... E você sabe muito bem que sou eu quem escreve essas histórias todas. Se não sou eu pra tomar conta disso aqui, isso não passaria de um sertão sozinho. E você? E “si”? Nada.”
Gregório é o alcoveto multifacetado que subsiste em algum lugar escondido e aparece quando não estou presente. Ele é dedicado e adora ser o máximo. Aprende rápido e é ambicioso. Por sua abnegação, atingiu posições de destaque diversas vezes e aparenta ser indispensável (com convicção).
É fundamental pra ele grandes feitos, fazer a diferença, ser reverenciado e, de preferência, amado. Mas também não haveria mal algum em ser odiado. Ele pode domar uma rede de inimigos, mas não suportaria o esquecimento. Ele quer ser pra sempre.
“Vão ler isso e mudar de vida.” Ele prevê.
Durante muito tempo, me confundi com Gregório, porque ele é convincente e dominador. Em alguns momentos, ele me fazia acreditar que as suas conquistas eram os meus propósitos de vida. Gregório só não me enganou por mais tempo, porque é insaciável. Pra ele nada parece suficiente. E isso é extenuante.
“De quanto dinheiro precisamos?”
“Um pouco mais.”
“Quanto amor?”
“Esse cara não nos dá valor, o que ele oferece não é suficiente. Lembra como ele nos tratou naquele dia...? E na frente dos amigos...? Ele sempre quer fazer diferente da gente...”
Cada frase dele vem acompanhada de um filminho, como prova do que diz.
Gregório é cheio de artimanha e se disfarça bem; consegue se passar por herói, amante, líder, vilão, vítima e outros tantos. Finge ter o domínio da situação, mas, no fundo, é inseguro. Por isso, quer controlar tudo, até o que escrevo. Porque pra ele, temos que parecer “escritores” e não uma pessoa que escreve porque gosta. Pra ele, temos que ter uma razão nobre; o título é tão importante quanto os aplausos; o ato de escrever é secundário. É nesse ponto que nos separamos.
Quando falo dele em público, ele tenta impedir e alega tudo que já fez por mim. Diz que foi ele quem trabalhou e ganhou dinheiro; e que se não fosse por ele, eu não estaria aqui; e repete enquanto puder:
“Isso não é justo. Você tem que voltar a se destacar, nós podemos mais, você está diminuindo.”
E em minutos ele passa, sutilmente, de herói a vítima. Ele topa qualquer coisa, desde que receba olhares, seja de idolatria, ou compaixão.
Ultimamente, ele afirma que escreve o que escrevo. Reli texto a texto e identifiquei aqueles que ele escreveu... É fácil perceber, são aqueles em que me destaco como uma heroína. “Meus mares, criativ’idade, divers’idade...”
Aonde quero chegar contando isso...
No segredo.
Vou tentar matar Gregório e a imaginação já me emprestou um rifle.
Mate e enterre! Beijos querida, otimo texto! Danny
ResponderExcluirÉ um exercício diário! Obrigada por ter lido e comentado. Beijos.
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