segunda-feira, 13 de junho de 2011

A charlatã

Dona Rodriga vivia no Cafundó, onde Judas perdeu um pé das botas. Ela era conhecida como vidente filantrópica; e o povo de Cafundó todo se consultava com ela, inclusive a classe A das redondezas.


A senhora Rodriga vivia das doações dos seus clientes e era conceituadíssima. Esse cenário amistoso começou a sofrer mudanças no final da década de noventa. A partir desse período, segundo o jornal da província de Cafundó, os desentendimentos entre dona Rodriga e seus clientes tornaram-se ações judiciais, por conta do abuso que a senhora tomou de toda a clientela, que só lhe demandava:


“Se eu mudar de profissão, vou ganhar dinheiro, como ganho hoje?” Essa era uma das perguntas corriqueiras dos clientes.


“Se você quer dinheiro e já tem, vai mudar de profissão para que? Se quer dinheiro fique com ele!” Respondia D. Rodriga, com ar de irritação; e não queria mais aceitar doação de gente insatisfeita com os seus dizeres.


“Se me separar encontrarei outra pessoa?” Essa pergunta não soava bem aos ouvidos da D. Rodriga.


“Se você quer ter alguém, fique com quem você está! Agora se quiser se arriscar, vai ter chance de ficar só, ou quem sabe se acompanhar de novo.” Respondia a vidente, sem jogo de cintura.


“Meu filho quer ser artista, ele vai ter sucesso? Ele vai ser famoso?” Essa pergunta amargurava de vez a dona Rodriga. “Como se não bastasse a pessoa querer sucesso pra si, quer empurrar mais gente nessa ribanceira. Era o que me faltava.” Pensava a vidente.


Para finalizar as consultas, que eram coletivas, pois as dúvidas coincidiam em grandes numerais, ela se acalmava, via o que via e respondia:


“Quem se separar vai viver a solidão em carne viva; e pode ser que se recupere, se tiver coragem. Se não tiver, vai contabilizar o passado e fazer uma lista para o futuro; o que vem daí não se pode ver.”


“Quem quiser ser artista que desista do dinheiro, porque o artista, que recebe o convite da deusa da criatividade, vai ter que abrir mão dos compromissos supérfluos.”


“E quem quiser viver bem, vai ter que passar do passado.”


A gente toda se irritou com os dizeres da dona Rodriga; e o grupo resolveu chamar a polícia.


Quando o policial chegou, deu baixa na situação, levando dona Rodriga para o xilindró.


Diante de gente importante na lista de delatores, o delegado teve que acelerar o caso; e o juiz também não pode se fazer de rogado, apesar da simpatia que reservava àquela senhora.


Na audiência, o juiz tentou aliviar a pena da dona Rodriga, dizendo que ela não respondia por si, que já tinha mais anos de idade do que aparentava, mas dona Rodriga não tinha qualidade de bem mentir.


Antes que o juiz proferisse qualquer sentença, o advogado de acusação propôs um acordo: se dona Rodriga desvendasse os números da loteria e os fornecesse aos clientes lastimados, o juiz poderia arquivar o caso.


Dona Rodriga pediu um copo com água, bebeu e disse os números que lhe vieram a cabeça; complementou, informando que aqueles números sairiam dali a seis meses. A proposta foi aceita, porém, nesse período, a acusada continuaria presa, até que o resultado final saísse.


A cidade ficou em polvorosa; houve reportagem até no exterior; era a gente toda gastando por conta.


Chegado o dia, e como esperado os números eram os tais. A cidade parecia um vulcão; se a gastança era grande, tornou-se ainda maior. Todo mundo pagou o que devia, comprou o que precisava e mais outras coisas, que nunca sentiriam falta; a cidade se modernizou com a dinheirama advinda da loteria; todo mundo estava rico, da noite para o dia.


Dona Rodriga saiu da delegacia e foi morar num povoado menor, onde escondeu a identidade.


Passados uns quatro anos, aos poucos; e depois, aos muitos, a gente toda localizou dona Rodriga e voltou a pedir seus conselhos. A pergunta geral era:


“Já que temos tudo, quando seremos felizes?”


Dona Rodriga disse que, para responder a tal pergunta, precisava catar umas ervas.


Entrou no mato e nunca mais voltou; e, desde esse dia, ficou conhecida como a charlatã.

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