segunda-feira, 11 de abril de 2011

Crimes & reflexões

Em frente à State Library of Victoria de Melbourne, onde eu costumo estudar e chamar de meu escritório, há um jardim no qual as pessoas deitam-se para produzir melanina enquanto houver sol. É um dos meus lugares favoritos aqui em Melbourne; sento ali com um capuccino; e espero que alguma inspiração caia do céu, ou brote daquela grama.
Enquanto eu aguardava atentamente qualquer sinal da entidade (inspiração), alguém me interrompeu, querendo vender alguma coisa. Pelo tom de voz, tive certeza que era algum drogado que andava solto por ali; nem olhei, fingi que não o ouvi; e ia saindo, quando me dei conta de que ele, naquele momento, estava prestes a se tornar uma vítima do meu desdém.
Num flash de segundos, eu me lembrei de tantas vezes que disse “não” antes de ouvir o final da frase e por ter outros interesses mais importantes; de quantas vezes não me dava ao trabalho de olhar nos olhos de quem me dirigia a palavra ao longo do dia; e outras tantas que virei o rosto para o outro lado, evitando me aborrecer.
E nos próximos segundos, uma sequência de crimes me entalaram, formando aquele nó...
Três garotos queimaram uma pessoa que estava dormindo no centro da cidade. “Pensamos que era um mendigo”, responderam os incendiários.
Outros garotos queimaram um índio, levando-o a morte. Quando interrogados sobre o motivo que os levaram a atear fogo no índio, os acusados responderam "para encontrar alguma coisa para a gente curtir" (depoimento dos acusados, constante na fl. 401 do processo judicial).
Surraram uma doméstica que esperava pelo ônibus, na Barra da Tijuca. “Pensamos que era uma prostituta”, justificaram os agressores.
Homossexuais foram agredidos até a morte por transeuntes, noticiaram os jornais.
A violência gratuita vem há tempos dando o ar da sua desgraça. Talvez porque era direcionada a moradores de rua, ou cidadãos desafortunados, não dei a devida atenção ao assunto; fato é que o vale-crime estava batendo à porta.
E num único golpe, a porta foi arrombada, um rapaz invadiu uma escola e levou o que temos de melhor; os anjos da sociedade, que não tinham culpa de estarem ali.
O executor não deu a chance de esclarecer nada; sumiu da terra. Alguns proclamaram vingança aos parentes do executor, afastando uma possiblidade de uma investigação cautelosa sobre o que culminou aquela ira. O ciclo vai continuar?
E o jovem, que vendia alguma coisa, ainda estava a alguns passos de distância do meu jardim. Ignorá-lo seria uma amostra de violência gratuita da minha parte?
Observo que ele está vendendo a revista que eu mais gosto: the big issue. Vou à sua direção; e ele já estava oferecendo a revista a outros que, deitados ao sol, negavam interesse em comprá-la.
Eu, então, consigo comprá-la. Olho fundo nos olhos fundos dele, querendo redenção; e ele me pergunta como estou.
“Ok”, respondo, percebendo os traços de quem tem histórias pra contar.
“Are you doing ok?” Perguntei.
“Improving. You will enjoy the reading; this magazine has just been released.”
E ele nem imagina que me entregou muito mais do que uma revista de apenas AUS 5,00.

3 comentários:

  1. E ele nem imagina que me entregou muito mais do que uma revista de apenas AUS 5,00.

    Exatamente...!!!!

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  2. Essa historia me faz lembrar de uma outra... Ainda estagiaria e colecionadora de tickets de transporte, me deparei com um menino novinho, de uns 9 anos, com sua caixa de engraxar sapatos. Estavamos num ponto em Ipanema - eu voltando da praia, ele tentando entrar pela porta da frente do onibus depois de um longo dia de labuta. O motorista disse nao. Veio o segundo onibus. O motorista disse nao. Veio o terceiro e o menino estava com tanta vergonha que comecou a contar as moedas dele, e percebeu que nao teria o suficiente para entrar por tras. Aquilo me deu uma angustia, um sentimento de culpa, e resolvi doar um dos meus tickets. So lembro de ter falado, olha, eu tenho um a mais, voce quer? O que mais me impressionou nao foi o obrigado dele e sim o olhar de repugna a minha volta - como voce ajuda um 'pivete' desses?
    Depois a gente se pergunta o porque da nossa sociedade estar tao doentia...

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  3. Obrigada por ter lido e comentado. É bom saber que reflexão se transmite. Por falar nisso, tenho refletido a respeito daquele texto, que você me enviou sobre o "gross national happiness", e me perguntado se haveria alguma estatística ligando-o com o índice de criminalidade... Se souber de algo, por favor, me encaminhe.

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