quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Circuito

De início, ela vivenciou cada instante, sem compreender o que se passava. Ao longo do trajeto, parecia ter superado os atropelos do que não via e disse ter entendido o mal entendido. Contudo, voltou ao ponto de partida.

Diante dos próximos episódios, ela disse:

“Dessa vez é diferente; qualquer um pode ver.”

No entanto, aos poucos, as situações passaram de similares a idênticas; e tudo ocorreu como previamente.

Todos testemunharam.

Ela se disse que, dessa vez, havia compreendido.

Entretanto, completou a terceira volta.

No decorrer do quarto percurso, ela já buscava meios de vivenciar aquilo tudo de novo. Não sabia se para dar segurança à certeza, se por vício, ou por medo de perder o que, pelo menos, tinha.

Apesar disso, ela conversou com o ar e anunciou que tudo seria diferente; e fez exigências a quem passava por ali; e revidou o que atribuia como erros dos outros. Todavia, não conseguiu nenhuma promessa de que as coisas mudariam.

Não mudaram.

As situações repetiram-se, parecia a propósito, para que ela percebesse de modo diverso, porém a tolerância não chegou a tempo, uma cegueira lhe encheu de razão; e ela só se lembra de ter visto o que via antes.

Extenuada se disse doente, e se perguntava:

“Seria esse o meu destino? Ficar dando voltas, me apegando ao avesso da liberdade?”

Quis desistir de tentar de novo, porém não foi adiante com essa ideia; não se sabe se por cansaço ou perseverança.

Observou, analisou, fez cálculos, promessa e salvo-conduto.

Embora ela reconhecesse o que via antes, não sabia como evitar. Por isso, a contragosto, seguiu dando voltas, como se nem o freio soubesse usar.

Fez vários experimentos; mudou a atitude, os hábitos, o lugar onde comia, variou quase tudo.

E quando achou que estava em outra rota, as situações repetiram-se, talvez por ironia ou porque ela já havia se viciado no gosto da certeza. E ela deu voltas até se habituar. 

Num lampejo, ela disse que buscou os pontos de vista com os quais discordava; aceitou que esses não mudariam; e viu o que jamais poderia ter visto antes; inventou até o sentido; divertiu-se, e diante daqueles eventos transparentes, fechou os olhos.

E o circuito saiu do ar.

Mas isso durou somente até que eventos semelhantes lhe tomassem o equilíbrio.

Dizem que passou a vida assim, nesses altos e baixos, e enlouqueceu. 


terça-feira, 8 de novembro de 2011

09 maneiras de IMPEDIR a manifestação da sua criatividade

1. Estabeleça modelos e padrões para todo o seu trabalho;

2. Irrite-se quando algo não estiver alinhado com o modelo criado por você;

3. Ocupe-se até o topo, não tenha tempo para contemplar algo extra-curricular, e se orgulhe disso;

4. Não questione as regras nem permita que as pessoas, ao seu redor, questionem;

5. Torne-se um expert em visualizar problemas, nunca soluções;

6. Não observe nada ao seu redor; ande focado em seus problemas, de preferência, enterre-se neles;

7. Não se permita errar;

8. Converse sempre com pessoas que pensam como você e concordam com os seus modelos;

9. Não aceite conselhos nem críticas; mentalize incessantemente como só você é capaz de fazer determinado trabalho.

Se você seguir a risca as dicas acima, a sua criatividade hibernará por anos a fio. No entanto, se voce quiser cutucar a ursa da criatividade, abandone esses hábitos e se prepare para um mundo fantasioso tão real quanto esse que vivemos.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

10 maneiras de multiplicar a paz na Terra

1. Não aceite desafios no trânsito;

2. Dê razão a alguém, pelo menos uma vez na vida;


3. Se voce estiver “p”, a populacão mundial remanescente não tem nada a ver com as razões da sua raiva, por isso, não ligue para centrais de atendimento, não peça nem compre nada, antes de evacuar a sua ira no banheiro. O meio-ambiente agradece;


4. Estabeleça uma quantia em dinheiro que não mereça uma briga. Por exemplo: “até o valor de X reais não me aborreço”;

5. Olhe nos olhos de alguém, sem julgar, pelo menos uma vez por semana;

6. Ligue para os seus pais (ou equivalente), pelo menos duas vezes por semana, e escute o que eles têm a dizer sem interromper, e depois concorde;

7. Simplesmente falar “pratique esporte” pode soar clichê e não ser efetivo na mensagem. Pois bem. Faça qualquer atividade que demande movimento e não ofenda as pessoas. O corpo não é meio de transporte pra cabeça; ele necessita interagir como um todo. Se você precisa de um incentivo, lembre-se de que há pessoas que, por condições especiais, não podem andar, e, no entanto, estão correndo maratona. Por isso, ande mais que o habitual, desça do ônibus antes do ponto, estacione mais distante do destino, ou caminhe/corra até chegar àquele estado quase meditativo que a maioria dos homens parece residir, fazendo exatamente o que estão fazendo (evitando ouvir as vozes mentais). Se não quiser correr, caminhar, suar muito, dance até os pés latejarem. Mesmo que já tenham dito que você tem dois pés esquerdos, vale a pena tentar. Se for muito doloroso, então, cante (pode ser no banheiro), aprenda a tocar um instrumento, monte um quebra-cabeça de 1000 peças, ou viaje;

8. Use as próprias mãos, na falta de alguém;

9. Observe a sua respiração, por um minuto por dia;

10. Leia o blog de uma mulher e conte pra suas amigas; elas vão admirá-lo, compreendê-lo e vice-versa. Consequentemente, mais paz na terra!




terça-feira, 25 de outubro de 2011

A sombra das investigações

“Um renomado desembargador foi preso.” Noticiaram os principais jornais da cidade.
Ermínio sempre quis ser investigador; segundo a mãe, ele tinha o dom desde menino, quando começou a descobrir as intrigas da vizinhança.
Apesar do seu dom natural, ao ingressar na faculdade de direito, decidiu enveredar para área de concursos, pois logo percebeu que os trabalhos de detetive não eram tão bem remunerados; e ele queria garantir uma vida sem surpresas financeiras. De modo que a vida o fez juiz e, ao longo da carreira, desembargador.
No entanto, a sua paixão por bisbilhotar nunca havia sido abandonada. Ele investigava os colegas, as namoradas, os familiares, e vizinhos. Era, às vezes, visto como persona non grata. Porém ele se justificava, dizendo que o fazia para o bem estar pessoal.
Durante o seu depoimento na delegacia, ele confessou que invadiu o apartamento da vítima, porém que havia feito com as melhores das intenções e que poderia provar.
Solteirão, vida estável, resolveu dedicar-se com afinco ao que lhe trouxe ao mundo. Aposentado, mudou-se para o bairro de Copacabana; não tardou para que Ermínio já estivesse inteirado de toda a vizinhança, devido a ajuda dos porteiros e de uma potente luneta, com uma espécie de câmera; algo tecnologicamente avançado, usado pela Nasa e FBI.
A maioria dos casos girava em torno de brigas de família; uma filha que não falava com a irmã, por discordâncias não superadas desde a adolescência; um pai que não aceitava a escolha dos filhos; um jovem casal que já não vivia bem, mas que não se separava; dois irmãos que brigavam pelos negócios do pai.
O caso que o levou à delegacia foi a investigação da vizinha da frente. Nadir.

Ela tinha aproximadamente 60 anos e havia pedido a separação, depois de 37 anos de casada; os filhos e o marido tinham negócios juntos; nenhum casal havia se divorciado na família; a separação dos bens desestruturaria a empresa e a tradição. Por isso, diante da pressão familiar, ela anulou o pedido e voltou ao labirinto da satisfação social.
O que ninguém da família sabia era que Nadir havia alugado um quitinete em Copacabana. Nessa quitinete, Nadir vestia as suas roupas mais chiques e convidava as moças do meretrício do bairro para tomarem e comerem algo, enquanto lhe contavam as aventuras dos seus dias.
As reuniões da dona Nadir ficaram famosas na vizinhança, que, não tardou em reclamar, a ponto de pedir a saída da inquilina.
Ao se deparar com as reclamações por escrito, parou com as festas e se manteve no seu refúgio, às custas de barbitúricos e roupas elegantes.
Ermínio não aguentava vê-la se degradando; ele pensou em falar com os filhos, porém pelo que havia descoberto, possivelmente, eles a trancariam numa clínica, para poupar o trabalho de cuidar.
O desembargador a vigiava incessantemente; observava que as cenas de choro e as idas à farmácia tornaram-se mais frequentes. Ele percebeu que durante a semana ela não havia ido ao salão, como de costume; ela não esperou as moças passarem para cumprimentá-las; e não vestiu as suas roupas habituais da tarde.
Na segunda-feira seguinte àquela semana, ela trazia, além da bolsa, um pacote que, ao entrar no apartamento, o levou ao banheiro. E, pela primeira vez, fechou a cortina, que para sorte do investigador, era transparente.
Nadir tirou da bolsa algumas coisas, tomou um banho e voltou à sala, sentou-se, ingeriu algo; depois voltou ao banheiro, onde havia deixado o pacote.
A sombra da cortina retratava que ela ora apontava o objeto do pacote, possível pistola, para a própria cabeça, ora a colocava no tampo do vaso, como se estivesse em dúvida do que fazer.
Ao vislumbrar o que estava por vir, o desembargador saiu de sua casa com um pé de cabra e invadiu o apartamento da senhora Nadir, que não fazia nada além de secar o cabelo com o secador.
Completamente errado seu Ermínio não sabia como se explicar e esperava ansiosamente os gritos de desespero da vizinha, que estranamente não vieram, dado o estado de letargia, consequente da quantidade de remédios que Nadir havia ingerido.
Ao verificar a bolsa dela, viu algumas caixas de sedativos e a levou imediatamente ao hospital, onde conseguiram salvá-la de maiores danos.
Ao entrar em contato com o marido e filhos, eles abafaram o caso para que a reputação fosse mantida e acusaram o desembargador de invasão a domicílio, dentre outros crimes elegíveis.
Ao que dizem as línguas lúcidas, em nenhum lugar do mundo, um desembargador fica preso por muito tempo.
Nessa história, não foi diferente.
Em poucas semanas, Ermínio saiu da carceragem especial e começou a sua busca pela vizinha Nadir. Em menos de trinta dias, ele a descobriu internada numa renomada clínica particular, vestida em roupas prosaicas e mais ausente do que nunca.
O marido e os filhos da tal senhora haviam tomado aquela medida por questões de segurança e saúde, pois apesar do desconforto emocional, os negócios iam bem.
Para saciar a sua curiosidade e saber, em detalhes, como estava a sua antiga vizinha, Ermínio internou-se. Não foi difícil ingressar como paciente; apenas mostrou as suas credenciais: dois cartões de crédito e a sua conta bancária robusta; e logo encontraram um distúrbio.
Na bagagem, além das suas roupas, ele havia trazido vestidos de gala, para dona Nadir.
E naquela clínica, ele viveu os melhores dos seus dias à sombra do amor.

domingo, 16 de outubro de 2011

O traidor fiel

Estávamos todos sentados à mesa; a degustação da comida não era o que nos reunia naquela noite, mas o que cabia a cada um de nós, sem escolha. Inconscientemente, quem relatasse a história primeiro, o faria como lhe conviesse.

Antes do jantar, o meu melhor amigo, líder da reunião, me pediu que fizesse algo por ele e mantivesse segredo, embora isso fosse parecer, aos olhos dos outros, uma traição. Pela nossa amizade não questionei; ele me garantiu que depois esclareceria tudo aos demais.

Durante o jantar, agimos como combinado; cada um recebeu a sua tarefa; a minha era de fato a mais deplorável. Talvez por isso, os demais me olharam com desdém.

Não me abalei.

Na hora programada, simulei a traição exatamente como me foi solicitada; e meu amigo foi conduzido, pelas autoridades locais, aos ponta-pés para cumprir a outra parte do seu plano.

Todos os outros pareciam ter esquecido a vontade dele e começaram a me ver como um real inimigo, me odiando e me julgando.

Segui, escondendo a angustia de que a verdade nunca fosse revelada e aguardando desesperadamente a sua volta e esclarecimento do plano.

Não imaginei que os demais se voltariam contra mim; apoiado por outros presentes, me cercaram e me torturaram com xingamentos e culpa pelo sofrimento causado.

Mantive o segredo de que ele voltaria.

Os ideais discutidos no jantar haviam sido abandonados e a minha aparente serenidade os provocava; cada um deles repetia incessantemente que eu era responsável por todo aquele horror.

Diante de tamanho convencimento e certeza de todos ali, supeitei que isso também fazia parte do plano e não resisti.

Eles chegaram mais perto, me cuspiram, me acusaram, e, finalmente, me condenaram, enrolando uma corda no meu pescoço e me empurrando.

Quando o nosso amigo voltou ileso, eles pensaram se tratar de uma alucinação; e quando ele perguntou por Judas, todos lhe contaram a versão que lhes foi favorável.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Post em construção

Não sei se peço desculpas pela demora em atualizar o blog, ou se saio inventando algo genial para impressioná-lo(a), de modo que você mesmo(a) justifique essa delonga.

"Foi por isso! Olha que post interessante."

Não! Nenhuma coisa nem a outra, por razões óbvias. Não sou genial nem você é tolo(a).

A verdade é simples: eu aceito que não controlo os meus dias e afazeres. Surge uma viagem, eu vou, surge um trabalho, eu pego; e assim acontecem os lapsos postais.

Recomeço hoje, sem garantia alguma, como sempre.

Para quem esteve por aqui, obrigada por comparecer; para quem está chegando, seja bem-vindo(a); para quem desistiu, por favor, volte, quando estiver sem expectativa.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Texto e contexto

Em outros tempos, quando a internet ainda não fazia parte da rotina do mundo, Jenifer and Andrew, um casal de americanos, pousavam no Rio de Janeiro para passar a lua de mel. Eles haviam lido vários guias e aprendido um pouquinho de português, o que facilitou as suas andanças pela cidade maravilhosa.

Durante as caminhadas por copababana, o casal interou-se de um jogo oferecido por senhores sentados em carteiras escolares, nas calçadas do bairro. O parco português de Jenifer foi suficiente para compreender que ela tinha que eleger um animal, para competir no jogo. Por conta do que leu sobre o Brasil, perguntou com um português de gringo:
“Essê ‘diogou’ é ‘legall’?
“É muito legal.” Respondeu o apontador, explicando novamente como funcionava.
Esclarecido esse ponto, ela não titubeou e escolheu:
“Galou” (querendo dizer galo).
O senhor, que ofereceu o jogo, disse-lhe que voltasse no final do dia para saber o resultado.
Andaram de copacabana ao Leblon, para apreciar a beleza local, e ficaram encantados com a liberdade dos jovens no posto nove, dentre os quais ofereceram ao casal um pito; Jenifer aceitou por educação. Pelo pouco que haviam visto, consideraram o Brasil o país mais livre das Américas.
No final do dia, no caminho de volta ao hotel, o casal passou pela calçada de copacabana onde estava o apontador do jogo. Para alegria dos gringos, Jenifer havia ganho uma quantia razoável. No dia seguinte e durante toda semana, essa cena se repetiu. Parecia um sonho.
Aproveitando a renda extra que adquiriram, resolveram conhecer as praias de Búzios, descobertas por Brigitte Bardot. Chegando a uma praia deserta, o casal ignorou, possivelmente por falta de entendimento da língua, uma placa que dizia:
“Proibido entrar com roupa de banho.”
Ao adentrarem à tal praia, foram surpreendidos por um transeunte despido que lhes chamou atenção.
“É proibido entrar com roupa de banho.” Disse o rapaz, indicando a placa e explicando que se tratava de uma praia de nudismo.
Jenifer e o marido estavam encantados com a simpatia do carioca, agradeceram a explicação e cumpriram imediatamente a regra.
Passaram cinco dias lindos nas praias de Búzios; e depois voltaram ao Rio, onde teriam mais dois dias antes de retornarem para os Estados Unidos.
Ao chegarem ao Rio, deixaram as malas no hotel e se dirigiram à praia de copacabana para um mergulho de despedida e compra de algum souvenir. Caminhando de volta ao hotel, Jenifer deu-se conta de que estava sem dinheiro, porém lembrou-se do famoso jogo na calçada. Ao passar pelo senhor, apostou novamente no galo. Em seguida, ela e o marido subiram ao quarto.
No meio da tarde, Jenifer desceu para verificar o resultado do jogo, porém, dessa vez, não teve sorte. Como precisava de dinheiro, aproveitou que já estava na rua e foi ao banco, ao lado do hotel.
Meia hora já havia se passado e ela não havia retornado ao quarto, causando ao marido tremenda preocupação. Ele desceu à rua e foi surpreendido com a presença da polícia na porta do banco.
Pela porta, avistou Jenifer, rodeada por policiais. Não conteve o seu nervosismo, e conseguiu perguntar a um dos curiosos o que havia acontecido; e o curioso respondeu:
“A moça, ao entrar no banco, estava com roupa de praia; o guarda não deixou entrar, mostrando aquela placa pendurada na porta ‘proibido entrar com roupa de banho’; quando a moça ameaçou tirar o biquini, o guarda chamou a polícia, que passava na rua. Segundo a polícia, essa moça, além de atentar contra o pudor, também é suspeita de pitar mato queimado e apostar no jogo do bicho.”
Andrew, atônito e confuso, entrou em contato imediatamente com a embaixada americana, que lhe enviou um advogado para auxiliá-lo no mal entendido.
Na delegacia, tudo foi justificado, e Jenifer foi liberada. A maior dificuldade foi explicar aos gringos que o tal jogo poderia até ser considerado “muito legal”, mas não era “legal”.
Ao retornarem aos Estados Unidos, o casal montou um centro de estudos sobre o texto e o contexo na cultura brasileira; e, pelo que se ouviu falar, estão estudando até hoje...