sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Dever de casa

“Escutem a conversa de pessoas desconhecidas e registrem, como se fossem antropólogos.” Sugeriu a professora aos alunos do curso de história pessoal. 

A primeira oportunidade surgiu na casa da aluna, onde ocorria uma reforma e os pedreiros não privavam o ambiente das suas conversas. 

Para atender melhor ao pedido da professora, a aluna aproximou a mesa da cozinha à janela, onde os personagens estavam trabalhando.

No início, só se ouvia o remexer da pá na mistura da massa de cimento, que logo foi interrompido por um dos pedreiros.

“Ei, Café. Psiu. Ei, Café!” Iniciou o mais velho.

“Quié, Viola!” Perguntou o Café.

“Tu num qué mi apresentá uma mulhé nova, não? Tu é novo, tu conhece mulhé nova, ô tu num é di nada?" Insistiu ele.

“Ê, Viola. Num vô é apresentar mulhé é nenhuma, vai tu procurá. Tu qui nun é di nada.”

"Oia, o Café se zangô. É só mi apresentá uma mulhé, rapaz." 

"Tu num já tem é mulhé? Trabaiá, Viola!"

"É, mais ota, ao vês, Café." Insistia Viola.

A ouvinte não saberia descrever como exatamente aconteceu.  Lembra apenas que baixou-lhe diante dos olhos um pano preto, e, quando se deu conta, já estava discursando entre os trabalhadores.

“Vocês são um bando de inocentes de achar que dão volta em mulher. Seu Viola, aqui nessa obra, não entra homem, que desrespeita mulher. Acho bom o senhor tratar a sua esposa muito bem. E tem mais, o senhor me passe aí o telefone dela, que vou lhe dar uns conselhos."

"Ói, Viola, pegô é pra tu." Comentou Café.

“Ôh Dona... dona minina, era só cunvessa de home." Explicou-se Viola.

“Rapaz, Viola, dá é o telefone, que a dona minina tá é braba. Tu nun faz é vê, é?" Disse Café.

A contra-gosto, Viola passou o número do celular da mulher, e a aluna, possuída de um sentimento amazonas, telefonou, identificando-se, sem lhe contar nada, obviamente, sobre o que motivou o interesse repentino; perguntou apenas se lhe faltava algo, se estava tudo bem com ela e que se houvesse qualquer problema, de falta de dinheiro ou de falta de respeito, que ela podia ligar de volta. 

“Eita, dona minina. Eu sô direito. Era só cunvessa besta.” Justificou-se Viola.

“Olhe, o senhor seja bom e carinhoso com a sua esposa. O senhor só tem a ganhar com isso.” Disse a aluna, voltando à cozinha, para registrar o seu fracasso como antropóloga.

2 comentários:

  1. Me identifiquei com a " dona minina", ouvindo conversa alheia... Rsrs. Gostei muito do seu conto, espero que continue escrevendo!

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  2. Oi Luara,

    Obrigada pelo comentário e pelo incentivo; é sempre um ânimo a mais! Pretendo voltar a publicar os textos logo!

    Abraços,
    Silvia

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