segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Repetição de verdades


"Casados?"

"União estável, comprovada por documento."

"Não existe pra vocês."

Depois de ter explicado algumas vezes o conceito de união estável aos oficiais alemães, prevista na lei brasileira, achei que meu alemão estivesse de mal a pior. 

Indignada expliquei a um amigo alemão e ele me garantiu que eu estava falando corretamente, bem como, eu havia entendido a resposta:

Não há, na Alemanha, a união estável entre homem e mulher. Se você quer ter direitos de casada/o, case!  A união estável só é válida para casais do mesmo sexo. Ou seja, os homossexuais não podem se casar, eles podem ter união estável.

“Dá igual!” Alguém pode dizer. 

Eu também pensava desse modo, porque no Brasil estar casado ou ter união estável garante ao par de pessoas, praticamente, os mesmos direitos e deveres (perdoem-me os detalhistas e doutores no assunto). 

Na Alemanha, não. Por exemplo: somente as pessoas casadas têm direito a um desconto no imposto de renda; pessoas que tenham união estável (no caso, pessoas do mesmo sexo, que vivem na terra do Goethe) não estão aptas a usufruir de tal desconto.

Direitos iguais?! Continua sendo um mito...

***

Surpresa eu também fiquei ao ser perguntada qual era a minha religião, diante de um oficial da burocracia.

Considerando a história de guerras, resolvi perguntar por que é importante registrar isso. 

Porque se você frequentar alguma igreja aqui, debitaremos o dinheiro (dízimo) direto do imposto de renda.

Eu insisti: por que eu deveria me preocupar com isso? Afinal posso rezar em casa.

Por que se você tiver filhos aqui e quiser que eles estudem em escolas católicas/protestantes/ou outras religiões, você terá prioridade, se pagar o imposto...

Estado laico?

Continua sendo um mito em vários os lugares do mundo...

***

Imigrantes

Comenta-se mundo a fora que, na Alemanha, há uma resistência por parte dos nativos contra os imigrantes turcos. Dizem alhures que essa resistência persiste devido o vasto número de imigrantes da Turquia. 

Entretanto, já foi noticiado por aqui que há quase 5 milhões de russos em terras germânicas, destronando os aproximadamente 3,5 milhões de turcos que vivem na região (contando os que nasceram aqui, porém têm ascendência turca). 

***

Quanto mais viajo, mais descubro que o que falam do mundo é uma visão solteira que repetimos, como se tivéssemos opinião...

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Alemão: tudo que aprendi sobre gênero (der, die, das)


Das Genus (gênero) / die Genera (plural)

Männlich - der 

Palavras terminadas em ling: der Schmetterling, der Feigling, der Zwilling etc;

Palavras terminadas em ich ou ig: der Teppich, der Kranich, der Honig, der König, der Essig etc;

Palavras terminadas em er: der Fehler, der Biber, der Bauer, der Bäcker, der Boxer etc.

As estações do ano são do gênero masculino, em alemão: der Früling, der Sommer, der Winter und der Herbst;

Os dias da semana: der Montag, der Dienstag, der Mittwoch, der Donnestag, der Freitag, der Samstag und der Sonntag. Atenção: o final de semana é neutro: "das Wochenende".

Os meses do ano: der Januar, der Februar, der März, der April, der Mai, der June, der Juli usw.

Substantivos advindos de verbos que NÃO terminam em t ou e: der Anfang (advindo do verbo anfangen), der Anruf (anrufen), der Beginn, der Flug, der Gang etc.



Weiblich - die

Os números: die Eins, die Zwei, die Drei... usw.

Palavras terminadas em ung: die Endung, die Prüfung, die Satzung, die Lösung etc. 

Palavras terminadas em schaft: die Mannschaft, die Freundschaft, die Feindschaft etc. 

Palavras terminadas em ion: die Diskussion, die Position, die Religion, die Präsentation etc.

Palavras terminadas em heit ou keit: die Freiheit, die Heiterkeit, die Sicherheit, die Gemütlichkeit etc.

Palavras terminadas em tät: die Identität, die Universität, die aggressivität, die Affinität, die Aktivität, die Aktualität usw.

Palavras terminadas em ik: die Musik, die Dynamik, die Ästhetik, die Didaktik, die Grafik etc.

Palavras terminadas em ur: die Natur, die Kultur, die Temperatur, die Tortur, die Karikatur usw (aber es gibt auch Ausnahme: das Abitur)

Passado, presente e futuro: die Vergangenheit, die Gegenwart, und die Zukunft. 

Substantivos terminados em t e advindos de verbos: die Abfahrt (verbo abfahren), die Fahrt (que vem do fahren), die Ankunft, die Sicht, die Tat, die Lust. Ausnahmen: der Verlust, der Unterricht etc.

Substantivos terminados em e e advindos de verbos: die Liebe (do verbo lieben), die Sprache (verbo sprechen), die Teilnahme etc. 


Neutral/ Sächlich - das

Todas as letras: das A, das B, das C, das D, das E... das Z.

Palavras terminadas em lein ou chen: das Fraulein, das Mädchen, das Bierchen, das Brötchen etc.

Palavras terminadas em i-um ou tum: das Museum, das Aquarium, das Gremium, das Stadium, das Mausoleum, das Faktotum, das Universum, das Eigentum etc.

Palavras terminadas em ment: das Experiment, das Statement, das Firmament etc.

Palavras terminadas em nis: das Ergebnis, das Zeugnis, das Geheimnis etc.

Palavras terminadas em em: das System.

Palavras estrangeira com terminação ma: das Thema, das Phlegma, das Magma, das Reuma, das Klima, das Komma, das Asthma etc.

Substantivos originados de verbos no infinitivo: das Laufen, das Lachen, das Weinen, das Essen, das Treffen, das Kochen, das Bauen etc.

Palavras inglesas terminadas em ing: das Training, das Timing, das Teaching etc. 

Substantivos terminados in: das Bezin, das Chinin, das Insulin, das Nikotin etc.

Palavras originadas de adjetivos: das Neue, das Möglich, das Richtige, das Falsche etc. 

Os coletivos são neutros: das Gemüse, das Obst, das Besteck, das Rechnen etc.  

Se você souber de mais alguma regra, por favor, não hesite em compartilhar.

Liebe Grüße

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Superiores


“O alemão é frio!”

“Concordo. Outro dia, na Alemanha, meu filhinho tentou captar os olhares de umas alemãs e não logrou êxito.”

“E eles falam de um modo tão bruto...”

“Também...o que tem na Alemanha? Linguiça, cerveja e porco.”

“É. Deve ser por isso! Por outro lado, eles são eficientes. Tudo funciona.”

“Ah, isso é. Entretanto, eu me pergunto se isso compensa aquela frieza toda. Você já viu como eles falam com as crianças?

“Inaceitável. Sou mais o nosso jeito caloroso, apesar de tudo.”

Escuto e leio com frequência diálogos do gênero acima nos artigos de revistas brasileiras. Viajamos, observamos os de lá, até elogiamos, e depois, bem no final, dizemos o quanto somos afetuosos. 

Parece-me que por mais inclusivo que seja o senso de comunidade desenvolvido pelos alemães, e, por mais que as novas gerações tenham revolucionado o legado dos antigos, os alemães parecem estar condenados a se assemelharem, de alguma maneira, aos estereótipos ligados ao austríaco H., antes de serem comparados a Beethoven, Goethe, Kant etc. 

Talvez porque numa curta distância, quase todos possam reconhecê-los, enquadrá-los, e, finalmente, sentirem-se de algum modo superiores.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O marketing de cada país


Algumas características sobre determinados países nos soam típicas. Quando se fala dos Estados Unidos, algumas pessoas ligam imediatamente à compra; quando se fala da Itália ou da França, as palavras comida e vinho parecem intrínsecas; da Inglaterra a realeza; da Suíça os bancos... e da Alemanha?

O que é típico alemão? Antes de responder a pergunta, a segunda-guerra é, em geral, relembrada, e há quem faça menção ao famigerado H_t__r. Não que o assunto deva ser esquecido, porém há outros países que participaram da guerra ao lado da Alemanha, como o Japão, e quase nenhuma lembrança é feita nesse sentido; os  temas nipônicos giram em torno da sabedoria milenar, da educação, de Fukushima etc.; raramente coisas malévolas vêm à tona, como matança de golfinhos, baleias, ou a própria segunda-guerra; é como se o mundo tivesse perdoado o Japão e lhe dado uma folha em branco.

Se me permitem, voltamos a indagar: o que é típico alemão? Há quem responda, depois do tema acima, cerveja e salsicha. É fato que a variedade desses produtos na terra do Goethe nos faz perder as contas. No entanto, é só isso?

Não pode ser! É como se falássemos a respeito dos Estados Unidos somente em hamburger e coca-cola. Entretanto, falamos de compras, da Disney, das universidades, dos musicais, dos filmes e de tantos outros temas que nada têm a ver com fast food, ou assuntos degradantes como armas, guerras e violência.

A propósito, quando falamos a estrangeiros sobre o Brasil, mencionamos quase sempre: alegria, carnaval e bom humor; e afastamos com um “não é bem assim” quem enfatiza somente a violência, não sei se porque aprendemos a lidar com ela, ou se queremos nos apresentar bem na foto, ou ainda se realmente somos esse poço de felicidade; de sorte que a alegria tornou-se nosso emblema, assim como, as compras tornaram-se símbolo dos EUA. 

Por pura insistência: o que é típico alemão? Se disséssemos simplesmente  “reservado” talvez saltássemos para fechado, frio, calculista e voltássemos à guerra e a H.; se citássemos rigidez, talvez convertêssemos para inflexibilidade, e de novo a característica seria diluída em julgamentos superficiais. Porém existe  uma característica, que me parece típica dessa terra de poetas e engenheiros e que trazem outras a rebote: a pontualidade. 

Ser pontual aqui não quer dizer chegar à hora certa. A começar que a pontualidade ocorre cinco minutos antes do horário marcado, para que se possa começar o combinado, depois dos cumprimentos, e, no horário previsto.  Há quem diga que isso é rigidez. No entanto, a pontualidade também contempla o planejamento e a execução. Sem a união desses dois, as 80 milhões de pessoas, que vivem aqui, não poderiam se locomover com facilidade num país cuja dimensão não chega ao tamanho de Minas Gerais; e, consequentemente, a Alemanha seria um caos.

Outra faceta típica dos alemães, consequência da pontualidade, é a: Verlässlichkeit, que significa confiança. Aqui não se faz necessário confirmar um encontro, pois o “se nos comprometemos, cumpriremos” é tão silencioso quanto efetivo. Eu não imaginava o quanto isso nos poupa energia e proporciona uma intimidade e um vínculo fraternal com os locais.

Talvez a pontualidade torne-se também um entrave à corrupção, pois se houver  planejamento e execução no momento certo, provavelmente, não haverá necessidade de “acelerar” nenhum processo. Ao discutir sobre essa hipótese com um professor de alemão, ele me garantiu que aqui há corrupção, porém a comunidade não é tolerante a ela, nas mínimas coisas: sinais de trânsito, pagamento do imposto de renda etc. Por exemplo: se você fizer algo ilegal, alguém vai denunciar, ou falar diretamente com você, pois a proliferação de um ato mal feito pode deseducar a sociedade rapidamente. A propósito, há uma placa diante da faixa dos pedestres que diz: “Atravesse no verde (para pedestres) por causa das crianças.” 

Ainda em conversa com esse professor, perguntei se os alemães, em geral,  confiam nos políticos. 

“Não precisamos. Nós confiamos uns nos outros.”

E no extremo da curiosidade, perguntei a um mendigo: o que é típico alemão?

“Gemeinschaft”, ele respondeu. E isso quer dizer senso de comunidade.  

Por essas e por outras, a convivência com a cultura alemã tem mostrado que há muito mais entre o céu e a terra do que os olhos podem julgar diante de divulgados estereótipos; e que o marketing deles tem muito a melhorar, para que se mostre mais o que se é.


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Antídoto sentimental


Estava preparando a lista de livros lidos no decorrer de 2012 e me dei conta de que durante os seis primeiros meses, só li livros de autoajuda. Sei que há uma quantidade de gente, que executa qualquer um do rol de amizades quando o escuta dizendo que leu um livro dessa natureza. Portanto, para manter a amizade de todos bem como o respeito recíproco (meu Gregório não suportaria saber que alguém nos considera inferior), resolvemos fazer aquelas reflexões anuais, que angariam simpatia e provocam sentimentalidades.

Se alguém tiver a curiosidade de saber por que li os livros de autoajuda, a resposta é simples: eu não queria analisar o que eu sentia, e, em seguida, obter a uma justificativa; todas as minhas tentativas foram de interromper o ciclo alternativo entre o erro e o sofrimento. 

Não me incomodo de cometer os erros mais de uma vez, porém o “tudo como premeditado” é exasperante.

“Não disse? Eu tinha certeza; isso sempre acontece comigo.”

E o restante das lamúrias, algumas pessoas até se identificam.

“Por que agi dessa maneira? Por que não fiz isso?”

"Por quê?" (Como se alguém tivesse perguntado).

Porque suspeito que se houve repetição de algo, houve um prazer; e ter prazer no sofrimento inconscientemente é suportável, pois “não estou sabendo” justifica tal sensação. No entanto, provocá-lo, sabendo que o resultado não é o que se quer realmente, e fazê-lo porque não resiste, só pode ser porque, de algum modo, o produto final agrada.

Se houvesse continuidade, o diálogo passaria a ser incongruente.

“Quais são os seus hobbies?”

“Gosto de ler, dançar, viajar, escrever... ah e também sofrer?”

“É mesmo? E é bom?”

“Não.” 

“Não? E por que o pratica?”

A partir daí, o interlocutor deixaria de lado essa conversa sem pé nem cabeça; ou talvez se percebesse repetindo comportamentos nocivos a si e à humanidade. 

A propósito, qual seria o ganho de se observar praticando autoenvenenamento? Não sei, porque o saber por si só não garante o passo à frente (sou prova viva). Porém, suspeito que a interrupção de tal ciclo seja uma espécie de antídoto.  



terça-feira, 13 de novembro de 2012

Se fosse possível resumir em onze...


“Achei tão mórbida essa história de festa antes de morrer. Você vai?”

“Tenho que ir; uma amiga de vida inteira não se abandona na hora do desembarque. Além disso, imagina se há alguma revelação estarrecedora?! Tudo bem que a essa altura nada mais importa; aos noventa anos ninguém fica mal falada.”

“O que ela fazia mesmo quando era mais jovem? Quero dizer bem mais jovem.” 

“Essa é uma pergunta que nem ela responde claramente; fazia vários trabalhos, serviços aleatórios, mas ela já trabalhou de executiva.” 

“Chegou a trabalhar de verdade? Isso deve ter sido há muito tempo. Sei que ela dançava tango; se contabilizassem os quilômetros rodados nas milongas, seriam equivalentes à volta ao mundo a pé. Ela queria convencer o mundo que dançar tango era como meditar.” 

“Eu me lembro; ela recomendava a dança pra quem mencionasse qualquer desajuste, fosse familiar, sexual, amoroso etc.” 

“E respirar? Lembra? Ela insistia em dizer que se a gente observasse a respiração dez vezes por dia, curava qualquer mal da cabeça. Devo confessar que usei esse método em algumas situações de emergência.” 

“E funcionou?”

“Não sei se funcionou, pois eu logo esquecia o porquê de estar fazendo aquilo.” 

“Estou curiosa pra saber o que ela vai dizer no leito. Será que vai contar todas aquelas histórias de viagens novamente?” 

“É fato que ela passou a vida viajando, mas ela não marcaria uma encontro na casa dela, no leito de morte, só pra contar vantagem.” 

“Será que ela finalmente conseguiu publicar algum livro?” 

“Passou a vida escrevendo também... e não publicou nada; só na internet onde qualquer um tem direito de fazer. Pode ser que ela consiga depois de morta; os leitores adoram escritores mortos; eles parecem mais perfeitos.” 

“Ouvi dizer que ela convidou todos os amigos; os que ainda estão vivos, claro; ela sempre gostou de casa cheia. A ultima vez que eu estive na casa dela, cheguei para o almoço e fiquei até o jantar; e foi um entra e sai de gente que mais parecia festa em turno.” 

“E eu ouvi dizer que só serão servidos água e frutas.” 

“É?! Será que ela vai usar esse momento delicado pra obrigar a gente a beber água? Como ela gosta de beber água!” 

“Haja paciência. Nunca falei nada porque sou amiga dela; ela tem umas manias e quer que a gente adote.” 

“Nossa, nem fala. Outra mania dela era fazer curso; fazia curso de quase tudo; aprendeu até a tocar piano.” 

“É fato; ela gostava de aprender fosse o que fosse, mas o sonho dela era aprender alemão, que segundo ela era um mistério, como aprender a ler mão.” 

“Se você fosse eleger o que ela mais gostava, o que você diria?” 

“Difícil dizer!” 

“Só um chute.” 

“Ela aproveitou a vida de um modo tão inconsequente que não saberia especificar.” 

“Por falar em aproveitar a vida, ela casou?” 

“Até nisso teve sorte! Da outra vez que ela festejou o leito de morte, melhor dizendo, da outra vez que passou mal e achou que ia partir, no discurso do encontro, ela disse em alto e bom som: “eu amei”, referindo-se não só aos amigos e familiares mas, em especial, ao companheiro de vida.”

“Não fui convidada a esse evento. Quando foi?”

“Há seis meses, num sítio, ou melhor, no meio do mato; ela fez todo mundo tirar os sapatos; por sorte, o dia estava lindo e a grama bem cortada.” 

“Foi triste esse encontro de pré-partida?” 

“Foi hilário. Ela espalhou piadas ao redor do lugar, e a cada passo que se dava, era possível compartilhar uma gargalhada.”

“Ela continua com essa mania de adorar rir?” 

“E quem vai mudar agora aos noventa?” 


***

Esse texto foi feito para enumerar onze coisas que eu adoro, e, porque a blogueira do comentários e ninharias indicou o sertão livre para participar do Prêmio Liebster (destinado a blogs com menos de 200 seguidores). Obrigada Mallu! 

Para continuar a roda da fortuna, eu indico os blogs borboleta amando e sem papas na língua. E se algum blogueiro amigo/desconhecido quiser participar, por favor, não hesite, entre em contato que terei o maior prazer em indicar!




segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A missão do constrangimento

Eu jamais viveria isolada numa ilha.

Talvez eu me alimente de gente tanto quanto o Drácula, só que utilizo métodos mais sutis de absorção.

Tenho necessidade do verbo das pessoas.

Por isso, não interagir seria uma tormenta. Porém para se integrar e obter a adorável autoconfiança no que se diz, é necessário cometer erros. 

O silêncio do sertão deve-se à minha pouca capacidade de entendimento e ao meu medo de errar. Como se a cada erro, acendesse um letreiro na minha testa expondo-me ao julgamento e me conduzindo ao cadafalso; e uma voz rouca repetisse: "se ela errou, deve morrer".

"Seria morrer parecido com errar? Se for, morrer deve ser mesmo desconcertante." E chegando ao outro lado, alguém, de maneira abrupta, indaga: "você morreu?" E cai numa gargalhada; depois complementa: "fique tranquilo; acontece com todo mundo". E você ali, morto, humilde, pergunta: "é por aqui?"; e o outro, ainda rindo e pra debochar do recém morto, responde: "continue sem olhar pra trás".

Errar é fundamental, as pessoas dizem. Eu concordo. Mas passar vergonha é constrangedor. 

"Alguém discorda?"

O meu analfabetismo em alemão conduz-me por essa estrada cinzenta: para aprender tem que errar e, vez por outra, ser objeto de olhares (imaginários) e risadas (reais). A propósito, já tenho um par de anedotas que decidi compartilhar. 

Eu estava numa milonga, dançando tango; justo durante os poucos segundos entre uma música e outra, o cavalheiro interveio, dizendo algo assim:

“Ichulrichunddu?”

Eu, sem compreender, do que se tratava, respondi, fingindo autoconfiança: “ich, nicht! Eu, não. Na dúvida, era melhor dizer não ao cavalheiro.

A música seguinte não começava. Por isso, ele insistia ininterruptamente: 

“ichulrichunddu?” “ichulrichunddu?” “ichulrichunddu?” “ichulrichunddu?”

Finalmente, a música recomeçou e a tormenta de não compreender cedeu espaço à dança. O tango me salvou até a próxima pausa.

“Ichulrich,  und duuuuu?” 

E como se um santo alemão tivesse baixado tamanha a insistência do protagonista, a minha língua cuspiu: ich heisse Silvia.

“Ah so! Wie meine Tochter.” (Igual ao nome da minha filha).

Dali por diante, o diálogo seguiu como eu imaginava: de onde você vem, o que faz etc. Não houve tempo pra responder o que eu faço, para minha sorte, porque o nível do meu alemão, nem com a ajuda do santo, seria suficiente pra explicar os trabalhos paralelos que eu faço. 

Ufa! Dançamos. Viva o tango como meio de comunicação. 

Um parêntese aqui: dançar com alemão, comparavelmente, é como dirigir uma merdedes, pode-se atingir uma alta velocidade com segurança, os movimentos fluem de acordo com a capacidade do motor, combinado com a batida da música; os giros e os oitos saem meticulosamente calculados, como se fosse possível prever o imprevisível. Entretanto, como dançar não é preciso, tudo segue surpreendendo. 

A vergonha linguística de não compreender um diálogo básico "ich heisse Ulrich, und du?" foi devidamente compensada. Tudo vale a pena, nós sabemos... no final.

Vamos ao outro passo em falso no idioma do senhor Goethe. 

Eu só queria comprar um piano. Cheguei à loja de instrumentos musicais e perguntei os preços e se eu poderia comprar “em parcelas”. Uma gargalhada brotou de toda a loja, incluindo vendedores e clientes.

Como? Eu havia olhado essa palavra cuidadosamente no dicionário, e para conferir, inseri no google translate. Ensaiei o diálogo. O que havia de errado?

Pois bem. 

Ao invés de dizer que queira pagar em parcelas: Raten (sendo a primeira sílaba forte), eu pronunciei a palavra enfatizando a segunda sílaba, portanto, eu disse que queria pagar em ratos (Ratten).

A cada constrangimento, um novo rol de palavras e de histórias. O constrangimento é vexatório, mas a sua missão é hilariante.

Viva o que nos incomoda! Porque, às vezes, é nesse ambiente sombrio que aprendemos uma boa lição.